Parece estar começando de fato a era da genômica individual, que abrirá caminho para o uso de informações genéticas pessoais na detecção do risco de desenvolvimento de doenças. Dois grupos internacionais de pesquisadores acabam de anunciar o seqüenciamento do DNA de um africano e de um asiático, por meio de uma técnica mais rápida e mais barata do que as usadas até então.
Os dados somam-se aos genomas de dois indivíduos de ascendência européia seqüenciados anteriormente – o do geneticista J. Craig Venter e o do biólogo James Watson, ambos em 2007. Com os novos seqüenciamentos, os cientistas puderam comparar variações genéticas entre diferentes etnias.
Até recentemente, os projetos de seqüenciamento genético eram limitados pelo custo e rendimento das técnicas usadas. A título de exemplo, os dados brutos para seqüenciar o genoma humano, completado em 2004, foram gerados durante vários anos, a um custo de aproximadamente US$ 300 milhões. O seqüenciamento do genoma individual de Craig Venter foi obtido por cerca de US$ 10 milhões e também levou bastante tempo. Já o de James Watson foi feito em dois meses, por menos de US$ 1 milhão.
O sistema usado para seqüenciar os genomas africano e asiático, criado pela empresa Illumina, reduz muito o tempo e os custos do processo (reprodução / Illumina).
A técnica usada agora pelos dois grupos – desenvolvida pela empresa Illumina – é diferente das anteriores. Ela gera centenas de milhões de fragmentos de DNA bem pequenos (entre 30 e 40 pares de base), que são montados tendo como referência o genoma humano original.
Isso reduz substancialmente o tempo necessário para decifrar o genoma (um a dois meses usando cinco seqüenciadores) e os custos do seqüenciamento (menos de US$ 500 mil). O genoma de Watson usou abordagem semelhante, mas os fragmentos gerados eram maiores (cerca de 100 pares de bases).
O seqüenciamento dos novos genomas foi publicado em dois artigos na Nature desta semana. Um dos trabalhos, liderado por David Bentley, da filial da Illumina em Cambridge, Reino Unido, decifrou o genoma de um homem africano originário do grupo étnico Ioruba, da Nigéria. O outro, assinado por Jun Wang, do Instituto de Genômica de Pequim em Shenzhen (China), e colaboradores, seqüenciou o DNA de um chinês do grupo étnico Han.
Variações entre etnias
A partir da comparação com os genomas europeus, os pesquisadores puderam detectar variações genéticas nos DNAs africano e asiático. Foram identificados nos dois genomas milhões de polimorfismos de um único nucleotídeo (SNPs, na sigla em inglês) – nos quais há a substituição de uma base por outra –, além de centenas de milhares de inserções e deleções de bases de outros tipos.
O grupo de Bentley mostrou, como esperado, que o genoma africano tem maior nível de variabilidade que o de europeus. Já a comparação do genoma asiático com os dos europeus mostra que eles compartilham 1,2 milhão de SNPs. Cada um dos três também tem SNPs únicas de seu próprio genoma (entre 30% e 33%).
Segundo o geneticista Sergio Pena, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e colunista da CH On-line, não há, de maneira geral, diferença que possa ser considerada “étnica” entre os genomas. “Meu refrão é que a única maneira coerente de dividir a humanidade é em seis bilhões de indivíduos igualmente diferentes”, afirma ele. “Os resultados desses genomas mostram níveis muito similares de SNPs únicas no Watson, no Venter e no chinês, dando suporte à minha tese.”
Os dois novos genomas seqüenciados reforçam a extensa lista de variações existentes no genoma humano e podem contribuir para que sejam detectadas seqüências e regiões específicas do DNA diretamente associadas a determinados traços humanos, incluindo o risco de doenças.
“Caracterizar múltiplos genomas individuais nos permitirá elucidar as complexidades da variação humana no câncer e em outras doenças e pavimentará o caminho para o uso de seqüências genômicas pessoais na medicina e no cuidado com a saúde”, prevêem David Bentley e colaboradores no artigo da Nature.
“Entramos definitivamente na era da genômica pessoal”, conclui Sergio Pena, acrescentando que a tecnologia da Illumina aparece com uma grande ferramenta para o chamado resseqüenciamento genômico total.
Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
05/11/2008