Os cientistas podem estar mais próximos de elucidar um dos enigmas mais intrigantes da física contemporânea: a atual predominância da matéria sobre a antimatéria no universo, fato que contraria o preceito de que o Big Bang originou quantidades iguais de ambas. Um experimento conduzido por pesquisadores de 13 países aponta uma possível nova fonte para essa assimetria.
A foto do Hubble mostra uma colisão de galáxias nos estágios iniciais de sua formação, menos de 1 bilhão de anos após o Big Bang. Os modelos teóricos vigentes sustentam que o Big Bang produziu quantidades iguais de matéria e antimatéria, diferentemente do que se observa hoje (imagem: Nasa).
Com base em dois pilares da física moderna, a mecânica quântica e o princípio da relatividade de Einstein, é possível afirmar que toda partícula na natureza – entre elas, os quarks e léptons, blocos elementares que constituem a matéria – tem uma partícula complementar de antimatéria, com a mesma massa e carga elétrica oposta. No entanto, o universo observável é claramente feito de matéria, e não de antimatéria.
Segundo os físicos, essa assimetria não poderia ter se estabelecido nas condições iniciais do Big Bang, pois ela teria se desfeito muito cedo, como indica o modelo que explica com sucesso a distribuição da massa em larga escala no universo. Conclui-se, então, que a assimetria surgiu depois do Big Bang.
Nos últimos 40 anos, os físicos de altas energias têm buscado um novo paradigma que vá além do modelo padrão usado atualmente, incapaz de explicar a dominância de matéria no universo. Entre as várias possíveis fontes da assimetria entre matéria e antimatéria, alguns modelos teóricos sugerem a existência de novos tipos de partículas elementares mais pesadas – além dos quarks e léptons.
Indícios da existência dessas partículas podem ter sido encontrados agora pela colaboração internacional Belle. Os pesquisadores descobriram uma assimetria anormal nas taxas de decaimento (processo espontâneo em que uma partícula elementar se transforma em outras partículas elementares mais estáveis) de mésons B neutros e carregados. Os mésons B são pares de quark e antiquark nos quais um deles é do tipo b.
Para medir essas taxas de decaimento, a equipe usou o aparelho de colisão de elétrons e pósitrons (a antipartícula do elétron) do acelerador de alta energia do laboratório KEK, no Japão. Segundo um dos membros da colaboração Belle, o físico Paoti Chang, da Universidade Nacional de Taiwan, o choque de elétrons e prótons dá início a um processo que culmina com o surgimento de mésons B e sua antipartícula. Estes decaem em partículas mais leves e estáveis, que são detectadas e permitem a realização das medições.
O diagrama do pingüim
Os resultados do experimento, publicados na Nature desta semana, indicam que um processo raro, representado pelo chamado diagrama do pingüim, está contribuindo para o decaimento de mésons B. Esse processo, no qual um novo par de quark e antiquark surge de um anel de partículas, é um dos que poderia originar subitamente partículas elementares mais raras e pesadas.
“A diferença entre as taxas de decaimento dos mésons B neutros e carregados pode ser um sinal de partículas supersimétricas ou de uma quarta geração de quarks”, sugere Chang em entrevista à CH On-line. “Contudo, ainda não entendemos as causas dessa assimetria”, ressalta.
O leitor não se preocupe caso não tenha ficado plenamente convencido de que a existência de partículas pesadas seria responsável pela assimetria do universo. A explicação desse fenômeno é um desafio para os próprios especialistas. “Mesmo físicos experimentais têm dificuldades de entender o que os teóricos propõem para explicar o fim da antimatéria”, ironiza Chang.
Os resultados foram bem recebidos, a julgar por um comentário sobre o estudo publicado na mesma edição da Nature por Michael Peskin, do Centro do Acelerador Linear de Stanford, na Califórnia. Peskin destaca que a assimetria nos decaimentos de mésons B observada no estudo, aliada a medições recentes do mesmo decaimento feitas em experimento similar nas instalações de sua instituição, é estatisticamente significativa, o que não deixa dúvidas sobre sua existência para os físicos de partículas.
Para Peskin, a combinação desses resultados permite vislumbrar uma nova fonte para a dominância da matéria sobre a antimatéria no nosso universo. “É possível que este seja o primeiro sinal de um mecanismo totalmente novo para a assimetria entre partícula e antipartícula”, avalia.
Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
20/03/2008