A especiação em tempo real

Um possível caso de especiação vegetal  o mecanismo evolutivo que leva à formação de uma nova espécie  pode estar sendo flagrado em Pernambuco. O processo foi detectado por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Estadual de Londrina (UEL) em pequenas populações da espécie Rhynchospora tenuis . As plantas observadas estão situadas em uma faixa de pouco mais de 50 km entre Porto de Galinhas e Tamandaré, no litoral sul de Pernambuco.

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A Rhynchospora tenuis é uma espécie silvestre semelhante ao capim (fotos: Marcelo Guerra)

Os professores Marcelo Guerra (UFPE) e André Vanzela (UEL) encontraram essa espécie durante uma análise cromossômica comparada que realizaram em mais de 50 espécies brasileiras do gênero Rhynchospora. Durante o exame, eles constataram que a espécie R. tenuispossuía o menor número cromossômico conhecido em plantas, 2n=4, ou seja, tinha apenas dois cromossomos nos gametas (para efeito de comparação, nos gametas humanos existem 23 cromossomos). Curiosamente, alguns indivíduos dessa espécie apresentavam o dobro do número normal de cromossomos (eram tetraplóides, e não diplóides, como as outras).

Para verificar qual seria o número cromossômico típico dessa espécie, os pesquisadores coletaram mais amostras na região e também analisaram exemplares de populações de R. temuis de vários estados brasileiros onde essa espécie ocorre, como Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia e Tocantins. Contudo, apenas em Pernambuco foram encontradas plantas com 2n=8, o que sugere que estas surgiram espontaneamente no meio de uma população de 2n=4.

“Como não encontramos indivíduos com números cromossômicos intermediários, acreditamos que essas duas subpopulações não podem se cruzar e, portanto, os poucos indivíduos que apresentam 2n=8 encontram-se geneticamente isolados dos indivíduos com 2n=4, o que favorece a formação de uma nova espécie vegetal”, afirma Marcelo à CH On-line .

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Cromossomos de indivíduo diplóide de R. tenuis

O pesquisador explica que, além de terem uma área de distribuição geográfica muito restrita, as plantas tetraplóides (2n=8) são morfologicamente idênticas às diplóides, o que parece confirmar que o processo de especiação é bem recente. Marcelo esclarece que a R. tenuis com 8 cromossomos pode ter surgido de uma anomalia na meiose (divisão celular) durante o processo de reprodução  um erro relativamente comum em muitos organismos mas que é melhor tolerado em plantas.

O biólogo considera o achado importante para compreender os mecanismos evolutivos que levaram à diversificação da nossa flora. “Além disso, por possuir tão poucos cromossomos, o material é muito favorável para estudos citológicos detalhados”, afirma. “Nessa espécie, a estrutura cromossômica é de um tipo mais raro, o que, por comparação com o tipo de estrutura mais comum, poderá ajudar a entender melhor como funcionam as divisões mitótica e meiótica.”

O pesquisador avalia também que, com casos como esse, é possível estabelecer modelos que permitam entender a história evolutiva dos vegetais. “A análise cuidadosa dos cromossomos permite observar a evolução em um nível intermediário entre a diversidade morfológica dos organismos e a organização de seus genomas”, comenta.

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
20/10/04