Pesquisas com amostras biológicas humanas costumam gerar controvérsias que extrapolam o âmbito científico e entram no universo do direito e da bioética. A bola da vez são os biobancos, coleções organizadas de material biológico humano para fins de pesquisa e cruciais para a condução de estudos em larga-escala nas áreas de genômica e genética.
Ao ser analisado em pesquisas específicas, muitas vezes, o material armazenado nesses bancos traz informações inesperadas – por exemplo, quando são identificados nele genes conhecidamente associados a alguma doença. Nesses casos, surge a dúvida: como retornar essa informação ao indivíduo que contribuiu com a amostra?
A forma como biobancos dos Estados Unidos vêm lidando com essa questão é o tema central de um artigo publicado recentemente na revista Genetics in Medicine. Nele, os autores defendem que os biobancos devem assumir a responsabilidade pelo retorno de informações relevantes relacionadas às amostras individuais que armazenam.
Em dois anos, eles fizeram um levantamento de como os biobancos do país lidavam com achados fortuitos – de importância clínica para o paciente, mas que vão além do foco da pesquisa em curso – e os resultados individuais de pesquisa realizada com suas amostras.
Em qualquer biobanco, antes da coleta de uma amostra, o contribuidor deve assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual deve explicar, em linguagem simples, as finalidades da coleta e os objetivos do estudo no qual o material será usado. Tanto a pesquisa quanto o termo de consentimento precisam ser aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição envolvida.
Analisando os termos de consentimento dos biobancos dos Estados Unidos e uma série de outros documentos obtidos em suas páginas na internet e solicitados por e-mail a seus responsáveis, a equipe multidisciplinar de pesquisadores descobriu que apenas metade deles explicita sua política sobre o retorno de informações ao contribuidor, dos quais 33% a 46% optam por dar um feedback. A maior parte, no entanto, declara que não dá qualquer tipo de retorno ao doador do material ou que só encaminha a ele informações não genéticas, por exemplo, propensão à pressão alta.
Segundo os autores, quando a política de retorno dos biobancos não é explicitada, os participantes costumam presumir que receberão um retorno caso informações relevantes para a sua saúde sejam identificadas. “Muitas vezes, os colaboradores não apenas supõem que terão essas informações de volta, como esperam por elas, principalmente quando o consentimento é dado para a condução de pesquisas com foco em doenças específicas”, afirmam no artigo.
Quatro responsabilidades
Diante dos dados recolhidos e após extensa revisão bibliográfica, os pesquisadores propõem que os biobancos assumam quatro grandes responsabilidades: esclarecer, analisar, reidentificar e recontatar.
Isto é, eles devem esclarecer os critérios que determinam se os achados são retornáveis ou não, analisar se a informação encontrada se encaixa nos critérios pré-estabelecidos, reidentificar o contribuidor e contatá-lo para fornecer a respectiva informação e aconselhamento genético – caso seja pertinente.
“O objetivo do aconselhamento não é levar o paciente para um tratamento clínico, mas deixá-lo bem informado e em condições de tomar decisões sobre o que fazer com a informação recebida”, apontam os autores.
A elaboração de critérios para julgar quando uma informação relativa a uma amostra deve chegar ao seu doador é um desafio para os pesquisadores. Segundo o Conselho Nacional de Bioética dos Estados Unidos, resultados são retornáveis se forem validados cientificamente, se apresentarem implicações para a saúde dos indivíduos ou se houver tratamento disponível.
Para os autores do artigo, é fundamental dar retorno ao contribuidor quando há algo que ele possa fazer para prevenir o desenvolvimento de uma eventual doença ou quando os resultados têm importância para a sua decisão reprodutiva.
Legislação brasileira
Até pouco tempo atrás, não existiam diretrizes específicas para os biobancos no Brasil. As primeiras resolução e portaria contendo normas de conduta na área surgiram no ano passado.
Antes, independentemente de sua política para o retorno de achados fortuitos, o banco era responsável por recontatar o contribuinte cada vez que sua amostra fosse selecionada para uma nova pesquisa.
“A nova legislação é um embrião, ainda incipiente, mas estabeleceu condições importantes ao termo de consentimento informado, no qual o paciente pode expressar previamente se deseja ou não o segundo contato”, explica o biólogo Claudio Gustavo Stefanoff, coordenador do Banco Nacional de Tumores (BNT) do Instituto Nacional do Câncer (Inca), que participou da elaboração final das referidas regulamentações.
Segundo Stefanoff, a maioria dos pacientes opta por não ser recontatada.
Ele ressalta que ainda não há um histórico de achados incidentais no BNT – criado em 2005 e que conta com 38 mil amostras – e, como não há orientações de como lidar com eles, acredita que os casos devam ser analisados individualmente.
A institucionalização das amostras biológicas humanas nos Estados Unidos já existe há mais tempo do que no Brasil. “Lá, a maioria das amostras chega aos pesquisadores por meio dos biobancos, por isso é interessante que o artigo foque a responsabilidade neles”, afirma Stefanoff.
“É bom que a gente saiba que isso também vai acontecer com a gente. Temos que nos preparar.”
Gabriela Reznik
Especial para a Ciência Hoje On-line/ RJ