A hora certa de combater o efeito estufa

 

É preciso gastar agora para não pagar mais caro no futuro. Essa é a principal conclusão da parte final do 4° relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), segundo os quatro pesquisadores brasileiros que participaram da elaboração do documento. Reunidos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no dia 8 em seminário promovido pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, eles discutiram as medidas propostas pelo Painel para diminuir o aquecimento global.

Para que o planeta não sofra conseqüências catastróficas com o aquecimento global, será preciso reduzir de 50% a 80% as emissões de dióxido de carbono na atmosfera até 2050, segundo relatório do IPCC.

O relatório apresenta uma série de previsões climáticas e suas conseqüências econômicas para as próximas décadas até o ano 2100. Os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que o custo do desenvolvimento de novas técnicas para o combate ao aquecimento global será muito menor que o gasto para suportar os resultados da emissão descontrolada de gases poluentes na atmosfera.

Entre 1970 e 2004, houve um aumento de 70% na liberação de gases poluentes para a atmosfera. A taxa mais preocupante é a do dióxido de carbono (CO 2 ), que, em 2004, representava 77% das emissões totais. Por isso, os pesquisadores basearam suas soluções na busca pela redução do nível de CO 2 no ar. O grupo mais alarmista sustenta que, para o mundo não sofrer conseqüências catastróficas com o aquecimento global, o aumento de temperatura não poderá ser maior que 2 °C até 2100. Para isso, seria necessário reduzir de 50% a 80% o lançamento de dióxido de carbono na atmosfera até 2050.

Essa conclusão assustou os governantes, já que seria preciso adotar uma série de medidas preventivas, o que resultaria em uma queda de 5,5% no Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 2050. “Porém, sai muito mais barato para a economia mundial o combate preventivo do superaquecimento do que o controle de situações decorrentes desse problema, como o aumento de doenças e inundações de cidades litorâneas”, explica um dos autores brasileiros do relatório, Roberto Schaeffer, da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da UFRJ. Schaeffer lembra ainda que essa redução do PIB não leva em conta os ganhos econômicos possibilitados pelo corte nos gastos com saúde e produção de energia.

No entanto, os pesquisadores não acreditam que os governos abrirão mão de interesses próprios para combater o aquecimento e fazer com que o aumento da temperatura seja de apenas 2 ºC. Por isso, a maioria dos especialistas trabalha com a hipótese de que haja investimentos para manter a variação entre 2,8 °C e 4 °C. Mas eles alertam para os perigos do aumento excessivo na temperatura e citam pesquisas que revelam que uma elevação superior a 2,5 °C resultará em impactos brutais no meio ambiente, impossíveis de serem controlados.

Medidas de mitigação
Entre as medidas sugeridas pelo IPCC aos governos mundiais para reduzir as emissões de CO 2 , está a elaboração de projetos nos setores de transporte, energia e indústria. Além disso, pela primeira vez, o desmatamento evitado foi incluído como estratégia de mitigação. 

O desmatamento é responsável por três quartos das emissões de CO 2 do Brasil.

A conservação de florestas foi o tema que mais gerou polêmica entre os especialistas brasileiros. Apesar do consenso em relação à necessidade de ações de repressão ao desmatamento no Brasil, alguns pesquisadores afirmam que as principais mudanças devem ser culturais. Para Emílio La Rovere, pesquisador da Coppe/UFRJ que também participou do relatório, o mais importante é tornar produtivas terras que estão abandonadas no interior do país. “É um absurdo a reforma agrária ainda não ter sido feita no Brasil”, ressalta. E acrescenta: “É preciso repreender o desmatamento irresponsável, mas isso também depende basicamente da mudança de comportamento da sociedade que vive no campo.” Enquanto em outros países o desmatamento é responsável por apenas um quarto das emissões de CO 2 , no Brasil essa parcela atinge três quartos.

Em relação às alternativas energéticas, o Brasil aparece como um dos países mais desenvolvidos em pesquisas na área. Para os cientistas, a maior aposta são os biocombustíveis. Segundo eles, com uma política de apoio, as energias renováveis podem passar a representar 35% da produção energética mundial em 2030 – atualmente esse percentual é de 18%. Essa substituição seria impulsionada se houvesse um aumento no preço a ser pago pelas nações para cada tonelada de CO 2 emitido que exceda os limites estabelecidos pelo Protocolo de Quioto. A energia nuclear também é apontada como uma alternativa aos combustíveis fósseis, mas o avanço das pesquisas nesse setor gera apreensão, por causa da possibilidade de uso indevido da tecnologia por parte dos governos mundiais.

O álcool brasileiro é outra opção festejada no relatório. Sua produção a partir da cana-de-açúcar gera uma quantidade maior de combustível do que de dióxido de carbono liberado na atmosfera. Além disso, é possível usar um método para capturar e armazenar o CO 2 emitido durante o processo. “É a única tecnologia que consegue aliar a produção de energia à diminuição das taxas de dióxido de carbono no ar”, afirma José Roberto Moreira, pesquisador do Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio) e um dos revisores do relatório. O único problema é a limitação do uso do álcool como fonte de energia, já que sua produção em larga escala exige grandes quantidades de terra para o plantio de cana-de-açúcar.

Os pesquisadores destacam ainda que a redução das emissões de CO 2 depende da eficiência no uso da energia produzida atualmente. Segundo Moreira, a produção energética é satisfatória; a maior urgência é fazer com que a sociedade não desperdice tanta energia.

O investimento na melhoria dos meios de transporte públicos também é apontado como medida para reduzir o aquecimento global. Porém, no caso brasileiro, a questão esbarra em um fator cultural. “Poucos são os brasileiros que irão trocar o conforto de seu carro por um ônibus lotado na hora de ir para o trabalho”, avalia Suzana Kahn Ribeiro, pesquisadora da Coppe/UFRJ e também autora do relatório. O desenvolvimento de novos tipos de transporte, como os veículos híbridos (carros equipados com motores que usam a energia elétrica como fonte alternativa), se apresenta como uma das possibilidades mais promissoras.

Mais pesquisas
O relatório recebeu críticas de especialistas brasileiros por não fornecer tantos dados sobre a situação do país. Segundo os pesquisadores que participaram da elaboração do documento, isso ocorreu devido ao baixo número de publicações nacionais sobre o tema, já que o relatório se baseou somente em artigos publicados em revistas e jornais. “O debate sobre aquecimento global no país ganhou destaque apenas recentemente”, justifica La Rovere. E completa: “Devemos aproveitar esse momento e incentivar um maior número de pesquisas, para que tudo isso não se limite apenas a um modismo.” 

 
João Gabriel Rodrigues
Ciência Hoje On-line
10/05/2007