A imagem do ilustrador

Produzir peças artísticas realistas ou simplificadas da natureza, que complementem e facilitem o trabalho científico ou aproximem ciência e sociedade. De forma geral, assim poderíamos definir a ilustração científica. Em entrevista publicada na CH On-line, conversamos com o ilustrador português Pedro Salgado sobre os desafios do campo em tempos de tecnologias de imagem digital e sobre seu papel na divulgação e educação científicas. Mas quem são os profissionais que se dedicam a essa atividade importante, porém às vezes pouco reconhecida, em nosso país? E como é o mercado em que atuam?

É o que mostra uma pesquisa promovida pela União Nacional de Ilustradores Científicos (Unic), grupo informal que reúne cerca de 200 de ilustradores. Realizado pela internet no ano passado, o levantamento está longe de ser definitivo, em especial devido ao baixo número de participantes (no total, 85 questionários válidos), mas sem dúvida ajuda a conhecer melhor o campo no Brasil. Os dados, segundo uma das autoras da pesquisa, a médica e ilustradora Iriam Gomes Starling, do Hospital João XXII, em Minas Gerais, vieram ao encontro do que é observado, na prática, pelos profissionais da área.

A ilustração científica é uma área em crescimento, mas que enfrenta gargalos no desenvolvimento de um ‘mercado consumidor’

Divulgada durante o IV Encontro Nacional de Ilustradores Científicos, a pesquisa mostrou uma área em crescimento, mas que enfrenta gargalos no desenvolvimento de um ‘mercado consumidor’. A concentração de profissionais é grande na região Sudeste, em especial em São Paulo. Norte e Nordeste, apesar de abrigarem grande parte da nossa biodiversidade, não têm, juntos, 10% dos ilustradores.

A botânica desponta como área mais atrativa, enquanto medicina, odontologia e astronomia são as menos procuradas – predominância que pode ser explica pela maior oferta de cursos de ilustração em botânica no país, como cogita Starling. A origem dos ilustradores é diversa (somente 36% deles ingressaram no campo pelas artes plásticas) e muitos possuem mestrado e doutorado – para a médica e co-organizadora da pesquisa, um ponto que se explica pela aproximação do trabalho desses profissionais com a ciência e que os diferencia dos artistas de forma geral.

Mercado ainda limitado

Os dados também mostram a dificuldade de financiamento da atividade: 88% dos entrevistados atuam como freelancer, ou seja, não têm qualquer vínculo formal relacionado à ilustração. Com uma produção pequena (mais da metade produz menos de oito desenhos pagos por ano), menos de 30% têm na atividade sua fonte principal de renda. Outra informação importante: 73% dos contratantes são pesquisadores, como pessoas físicas.

O uso de recursos digitais também ficou a desejar: quase metade dos ilustradores entrevistados trabalha apenas em meio físico, o que limita seu mercado potencial, já que muitos dos trabalhos de ilustração são feitos a distância, pela internet, segundo Starling. “A falta de domínio de softwares para edição de imagens também dificulta o adequado acompanhamento da produção de trabalhos impressos, pois pode causar problemas como a distorção de cores, por exemplo”, afirmou a médica.

Desenho digitalizado
Menos da metade dos entrevistados na pesquisa utilizam recursos digitais para realizar seu trabalho e muitos sequer digitalizam suas obras. Mais do que barreira ou desafio, tecnologia pode ser aliada para expandir mercados potenciais. (imagem: Ivandel Costa/ Flicrk – CC BY-NC-ND 2.0)

Para o ilustrador botânico Paulo Ormindo, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e presidente do comitê organizador do evento em que a pesquisa foi divulgada, o Brasil vive um momento de resgate de uma tradição que já vem do século 19. “A ilustração tem ganhado visibilidade, mais cursos estão sendo criados, há mais gente ilustrando, mas ainda há problemas, como o acesso aos meios de fomento”, disse. “É preciso, por exemplo, aumentar a inserção desses profissionais nos institutos de pesquisa e universidades, como no passado.”

Starling ressaltou outro obstáculo a ser superado: “Apesar de não haver empecilhos para isso nos editais, os pesquisadores deixam de prever recursos para ilustração científica em seus projetos, o que limita as possibilidades do ilustrador.”

A Unic pretende realizar um novo levantamento da área, mais abrangente, a partir da experiência adquirida com esse questionário pioneiro, na tentativa de traçar um panorama ainda mais realista da ilustração científica no Brasil.

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
O ilustrador botânico Paulo Ormindo é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e não da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como foi dito. (10/01/2014)