A origem dos cometas revisitada

A missão Stardust volta à atmosfera terrestre em 15 de janeiro de 2006, trazendo a bordo milhares de partículas do cometa Wild 2 (foto: Nasa/Ames Research Center).

Uma poeira invisível a olho nu e que pesa menos de um centésimo de miligrama está ajudando a reescrever a história do Sistema Solar. Essas partículas foram recolhidas do cometa Wild 2, visitado pela nave Stardust há quase três anos. Os primeiros resultados da análise desses fragmentos, feita com os mais modernos equipamentos disponíveis no planeta, acabam de vir a público, e estão surpreendendo os astrônomos.

Esta é a primeira vez que material de um astro que não a Lua é trazido para análise na Terra. O estudo das amostras envolveu quase duzentos cientistas em nove países. Os primeiros resultados foram apresentados e discutidos em nove artigos na edição desta semana da Science

Para coletar partículas do Wild 2, cientistas do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, a agência espacial norte-americana, projetaram a trajetória da Stardust de forma que ela atravessasse a nuvem de poeira que envolve o núcleo do cometa em velocidade relativamente baixa (6 km /s), sem riscos para a nave. Os pesquisadores desenvolveram também um aparato para coletar as partículas sem destruí-las – uma espécie de espuma altamente porosa e de baixa densidade, capaz de capturar os minúsculos fragmentos.

No total, foram capturadas pouco mais de 10.000 partículas, todas com tamanho entre 1 e 300 micrômetros, num total de menos de 10 microgramas. Esses fragmentos são preciosos para a ciência por serem testemunhas da origem do Sistema Solar. “As partículas coletadas pela Stardust devem ser do mesmo material que se aglutinou com gelo para formar os cometas há 4,57 bilhões de anos, quando o Sol e os planetas estavam se formando”, afirma o artigo principal que apresenta os resultados.

Tecnologia de ponta

Núcleo do Wild 2 fotografado pela Stardust – em janeiro de 2004, a nave passou a 234 km do núcleo do cometa (foto: Nasa/JPL).

O estudo dessas partículas diminutas mobilizou uma vasta gama de instrumentos de alta tecnologia na Terra, alguns dos quais chegavam a ter quilômetros de diâmetro. E os resultados preliminares mostram que é preciso rever algumas teorias sobre a origem dos cometas. Acreditava-se, por exemplo, que os cometas de período curto, como o Wild 2, eram constituídos de rochas formadas no gélido Cinturão de Kuiper, situado além da órbita de Netuno (o Wild 2 se formou nos confins do Sistema Solar e depois teve sua trajetória desviada para regiões mais centrais).

No entanto, as análises das amostras trazidas pela Stardust revelaram a presença de um tipo de mineral cuja formação só seria possível em altas temperaturas, nas regiões mais próximas do Sol. Esse resultado indica que materiais formados perto do Sol foram transportados até o Cinturão de Kuiper, onde foram incorporados aos cometas que ali se formaram.

As análises revelaram ainda a presença de vários tipos de minerais no Wild 2, com predomínio de silicatos cristalinos, e mostram que as rochas do cometa são na maioria provenientes do Sistema Solar. Foram identificados também grãos originários do meio interestelar, mas eles compõem apenas uma pequena fração do material coletado.

Essas são algumas das conclusões preliminares, mas o trabalho de análise está apenas começando. “A Stardust trouxe-nos muito alimento para o espírito”, afirma em comentário na Science o astrônomo Michael A’Hearn, da Universidade de Maryland (EUA). “Combinar o resultado desta com o de outras missões enviadas a cometas deve manter os teóricos ocupados por algum tempo.”

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
14/12/2006