O Brasil está cada vez mais perto de se tornar membro associado do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), responsável, entre outras pesquisas de ponta, pelos recentes experimentos conduzidos no LHC, o Grande Colisor de Hádrons, que apontaram a existência de uma partícula que pode ser o tão procurado bóson de Higgs.
A possível participação do Brasil como país associado à instituição começou a ser discutida oficialmente em 2009 e desde então tem se mantido na pauta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). No início do ano, o ministério anunciou a abertura de negociações diretas com o Cern. Na ocasião, o ministro Marco Antonio Raupp afirmou que, da parte brasileira, só dependia de um bom plano financeiro para conseguir a aprovação do investimento necessário para o projeto.
Em março, o Brasil enviou ao Cern sua aplicação oficial, um documento que descreve o estado da ciência brasileira. O relatório está em fase de análise pelo Cern, que agora no segundo semestre vai enviar um grupo técnico para visitar e avaliar as condições dos principais institutos de pesquisa, indústrias e agências de fomento nacionais. Se a avaliação for positiva, se inicia a negociação financeira para a adesão brasileira, que vai ser decidida, em última instância, pelo Congresso Nacional.
Normalmente, a cota anual paga por países associados é calculada com base em seus respectivos PIBs. No caso do Brasil, segundo estimativa do grupo de trabalho que organiza o processo, o valor deve ficar em torno de R$ 30 milhões ao ano. Pode parecer muito dinheiro, mas a quantia está de acordo com a política adotada recentemente pelo MCTI.
O ministério tem chamado atenção pelo apoio a grandes projetos científicos, como a entrada do Brasil no consórcio de países que participam do Observatório Europeu do Sul (ESO), uma jogada que, se aprovada pelo Congresso, deve custar mais de R$ 500 milhões em dez anos.
Vantagens
Hoje o Brasil tem cerca de 100 pesquisadores trabalhando em cinco experimentos do Cern por meio de financiamento de agências nacionais ou bolsas em universidades europeias. Também já fornecemos equipamentos para a instituição, como o chip Carioca (CERN And RIO Current-mode Amplifier) usado no LHC.
Se o país se associar ao Cern, terá mais vantagens. Cientistas poderão concorrer a bolsas de emprego e pesquisa na instituição e terão direito a voz (mas não voto) nas reuniões do Conselho Superior.
Indústrias nacionais também terão a chance de concorrer em licitações para prover material e participar da montagem de equipamentos dos laboratórios do centro. Um dos possíveis nichos de atuação da indústria seria a venda de nióbio, mineral resistente usado nos instrumentos do Cern, cujo maior exportador mundial é o Brasil.
O físico Ronald Shellard, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que coordena o grupo de trabalho do MCTI para adesão ao Cern, acredita que o projeto vai dar gás à ciência nacional e destaca que é também um importante movimento político.
“O Brasil deixou de ser um país ‘em desenvolvimento’ e temos que pensar e agir como adultos científicos, protagonistas da nossa agenda de pesquisa”, afirma. “A agenda dos grandes problemas científicos é determinada em fóruns que exigem colaboração internacional onde tenhamos presença ativa e a participação no Cern é um passo importante nessa direção.”
‘Poréns’
Apesar dos potenciais benefícios, há quem seja contra a adesão do Brasil à instituição. O físico Alaor Chaves, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é um dos maiores críticos do projeto. Em texto publicado no Jornal da Ciência, Chaves defende que o Brasil precisa desenvolver pesquisa e tecnologia internamente antes de participar de consórcios internacionais tão dispendiosos.
“Argumenta-se que como membro associado poderemos competir em licitações do Cern, mas competir é uma coisa, ser competitivo é outra”, afirma. “O Brasil precisa formar muito mais pesquisadores do que tem formado e mais bem preparados. Temos de formular nossa própria agenda científica. Quando estivermos preparados para disputar o campeonato da primeira divisão em ciência, aí sim a concessão de quantias vultosas a projetos internacionais poderá servir aos interesses do país.”
Shellard rebate a crítica e defende que o ingresso brasileiro é uma grande oportunidade para o crescimento da ciência nacional. “Dizer que o Brasil não tem competência para participar de competição por demandas do Cern reflete a visão de que devemos ser apenas um exportador de commodities”, diz. “Será mais caro não tomar uma oportunidade como esta do que o custo que a ela é atribuído.”
O físico Alberto Santoro, da Universidade Estadual do Rio de janeiro (Uerj), que lidera uma equipe de brasileiros no Cern, no experimento CMS (que contribuiu com dados para o anúncio do bóson), também é favorável à entrada do Brasil na instituição. Mas pondera que o processo deve ser bem pensado administrativamente.
“O Brasil já deveria ter se associado ao Cern há muito tempo, só perdemos em tardar a fazer isto”, afirma. “No entanto, devem ser tomadas medidas administrativas e burocráticas como a criação de comitês compostos e dirigidos por quem trabalha na área de física de altas energias. Há mais de 30 anos lutamos com a dificuldade de sermos dirigidos por colegas que nunca fizeram uma experiência na área; isso dificulta e desgasta a nossa atividade.”
Os financiamentos de projetos na área da física de altas energias no Brasil são coordenados pela Rede Nacional de Física de Altas Energias (Renafae), composta por representantes da comunidade científica. Alguns físicos se queixam que já hoje a rede prioriza as pesquisas desenvolvidas no Cern. Essa é uma das ressalvas do físico João dos Anjos, do CBPF, ao ingresso brasileiro.
“Não se deve apostar tudo na colaboração com o Cern”, diz. “Há muitas outras pesquisas de altas energias feitas fora do Cern, como o estudo dos neutrinos, que não devem ser deixados para trás.”
Ainda assim, dos Anjos torce para que o projeto vá para frente: “Fora essas questões de conjuntura, acho que o acordo é um passo importante para uma atuação ‘global’ e a internacionalização da ciência no Brasil, pelo menos nessa área.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line