A regra não é clara

Em toda partida é sempre a mesma história: o árbitro e seus auxiliares marcam o impedimento e a torcida do time afetado se revolta. A televisão mostra o lance quadro a quadro e ‐ pronto ‐ a infração não aconteceu. Entretanto, para o médico espanhol Francisco Maruenda, do Centro de Saúde de Alquerías, em Murcia, eles não podem ser considerados culpados. Em artigo publicado no British Medical Journal ( BMJ ), o médico utilizou cálculos simples baseados na fisiologia ocular para concluir que o olho humano é incapaz de processar todas as informações necessárias para aplicar essa regra. 

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Segundo a regra da Fifa, um atacante (uniforme branco) está impedido quando, ao receber um passe, se encontra mais próximo da linha de meta adversária do que a bola e o penúltimo defensor. O impedimento não é marcado caso o jogador receba a bola diretamente de um tiro de meta, arremesso lateral ou escanteio. Também não será marcado impedimento se o jogador que irá receber a bola partir antes da linha do meio de campo (imagem: reprodução/ BMJ ). Clique na imagem  para baixar a regra oficial do site da CBF (arquivo PDF, 2481 KB).

A identificação do impedimento exige que o árbitro e seus assistentes enxerguem os últimos movimentos de cinco objetos e, ao mesmo tempo, determinem a posição de um em relação ao outro. Eles devem ter a bola como ponto fixo e, simultaneamente, ver a posição dos dois atacantes mais avançados e dos dois últimos jogadores da defesa.

Para entender como a visão humana processa essas informações, Francisco Maruenda recorreu ao conceito de movimentos sacádicos dos olhos, que ocorrem quando se muda o foco de um objeto para outro ou a profundidade do foco. Segundo o médico espanhol, esse procedimento requer um tempo que varia entre 2,1 e 2,8 décimos de segundo, de acordo com a distância dos objetos observados.

O médico argumenta que, para apontar a infração, o juiz precisa, no mínimo, enxergar o jogador que conduz a bola, identificar o atacante mais adiantado que irá receber o passe e o penúltimo defensor. Isso requer ao menos dois movimentos sacádicos, o que duraria, no tempo mais curto, 4,2 décimos de segundo.

O problema, aponta o espanhol, é que, nesse intervalo de tempo, muitas mudanças podem acontecer. Segundo ele, um jogador de futebol corre em média 100 metros em 14 segundos, ou 3 metros em 4,2 décimos de segundo ‐ o suficiente para comprometer o julgamento do árbitro. Assim, conclui Maruenda, é humanamente impossível detectar o impedimento.

“Esta norma surgiu em 1866, quando não se conhecia nada de fisiologia ocular. As primeiras informações sobre os movimento sacádicos datam de 1903. Naquele tempo não se sabia que o árbitro deveria olhar três lugares diferentes ao mesmo tempo”, disse o médico em entrevista à imprensa espanhola.

Maruenda enviou suas conclusões para a Fifa (Federação Internacional das Associações de Futebol) e sugeriu que o impedimento seja banido ou que se passe a usar o vídeo para detectá-lo. “O uso da tecnologia moderna ‐ como o congelamento de imagens e a análise quadro-a-quadro ‐ é recomendável para limitar os erros”, conclui em seu artigo, publicado na edição de 18 de dezembro de 2004 da BMJ

Pedro Gomes Ribeiro
Ciência Hoje On-line
10/02/05