Na guerra contra o avanço da tuberculose, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) descobriram uma nova estratégia de combate, que um dia poderá ser utilizada na criação de medicamentos mais eficientes.
Ela envolve o uso de compostos químicos capazes de inibir a atividade de uma enzima fundamental para a sobrevivência do bacilo de Koch (Mycobacterium tuberculosis), bactéria causadora da doença.
O tratamento contra a tuberculose é feito, hoje, à base de antibióticos, que matam o microrganismo. Embora seja eficaz, a terapia leva pelo menos seis meses para ser concluída e, durante esse tempo, provoca efeitos colaterais como lesões na pele e enjoos rotineiros. Esses fatores fazem com que muitos pacientes suspendam o tratamento ao primeiro sinal de melhora, quando ainda não estão totalmente curados.
Em vez de combater diretamente o metabolismo ou a reprodução da bactéria, como fazem os antibióticos, cinco compostos químicos descobertos pelo grupo da UFSC vão atrás do calcanhar de aquiles do microrganismo: a enzima PtpA.
“Sem essa enzima, o bacilo simplesmente não consegue se desenvolver e morre”, explica o químico Hernán Terenzi, coordenador do estudo. Os compostos químicos capazes de inibir a atividade da enzima são de uma família conhecida na química orgânica como chalcona.
A tuberculose é uma das doenças infecciosas que mais mata no mundo. Em 2009, causou cerca de 1,7 milhão de mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde. A doença é peculiar porque, ao se hospedar no organismo, M. tuberculosis passa a viver preferencialmente dentro dos macrófagos, células que defendem o corpo humano de organismos estranhos e que, portanto, deveriam destruir as bactérias.
Cooperação
Antes dos testes da equipe, já se sabia que M. tuberculosis dependia da PtpA para sobreviver e que algumas substâncias tinham poder de inibir a atividade da enzima. Mas para testar os compostos no combate ao bacilo era preciso saber exatamente de que forma o microrganismo agia.
“Em 2009, um grupo de canadenses da Universidade da Colúmbia Britânica [UBC, na sigla em inglês] publicou justamente o que estávamos procurando: os alvos de ação da bactéria dentro dos macrófagos”, conta Terenzi.
Os cientistas da UFSC passaram a se corresponder com o grupo canadense e decidiram dar prosseguimento às pesquisas de forma colaborativa. Pesquisadores da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Pasteur de Montevidéu, no Uruguai, também ajudaram nos experimentos.
Em laboratórios do Canadá, várias chalconas foram testadas em macrófagos infectados e cinco delas inibiram a ação da PtpA. Sem a atividade enzimática, as bactérias começavam a morrer em aproximadamente 48 horas.
Segundo Terenzi, três dos compostos tiveram efeitos tóxicos, possivelmente por inibir a ação de outras enzimas importantes para o organismo humano. “Os outros dois não apresentaram qualquer problema de toxicidade.”
Os resultados da pesquisa foram publicados em 2010 na revista Bioorganic & Medicinal Chemistry, cujo acesso é livre. Para o químico que coordenou os trabalhos na UFSC, há boas chances de os compostos serem transformados em medicamentos para o tratamento da tuberculose.
“Dependerá agora de toxicologistas e farmacêuticos demonstrarem interesse em continuar os estudos”, diz. O pesquisador ressalta que não foi registrado qualquer tipo de patente e que, por isso, caso alguma indústria tenha interesse em desenvolver um fármaco, o caminho está livre. A nova arma contra a tuberculose está à disposição.
Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR