Em pesquisa financiada pela empresa farmacêutica GlaxoSmithKlein (GSK) e pela organização sem fins lucrativos Path, uma candidata vacina contra a malária consegue reduzir pela metade o risco de crianças entre cinco meses e um ano e meio contraírem um dos quatro tipos da doença.
Os resultados preliminares, publicados na revista New England Journal of Medicine, são fruto de 10 anos de testes com crianças de sete países da África subsaariana atormentados pela malária causada pelo parasita Plasmodium falciparum, transmitido pela picada de mosquitos do gênero Anopheles.
Esse tipo da doença é um dos mais comuns na região, matando por ano cerca de 800 mil pessoas, na maioria crianças com menos de cinco anos. No Brasil, no entanto, esse tipo de malária é raro, sendo mais comum a causada por outra variante do parasita, o P. vivax.
Como a maioria das vacinas preventivas, a RTS.S – sigla dada à nova alternativa profilática – ativa o alerta do sistema imunológico contra o parasita invasor assim que ele entra na corrente sanguínea, impedindo que infecte as células do fígado, o que desencadeia os sintomas da doença.
Para dar o alerta aos anticorpos, a vacina conta com uma proteína extraída da membrana externa do P. falciparum.
Os testes mais recentes com a RTS.S, já em sua terceira e última fase antes do pedido de aprovação da vacina, foram feitos com 6 mil crianças acompanhadas por uma equipe de pesquisadores durante 12 meses após a vacinação.
A eficácia da vacina variou de acordo com a gravidade da doença. Entre as crianças que receberam a RTS.S, houve uma diminuição de 56% da ocorrência da chamada malária clínica (mais branda) em relação às crianças não vacinadas, e de 47% da malária severa (mais grave) durante o período do estudo.
Apesar de as taxas não serem altas se comparadas às das vacinas em uso, que costumam ter eficácia acima de 80%, especialistas concordam que a RTS.S é uma importante ferramenta no controle da malária.
“A vacina pode ter um grande impacto na África se diminuir pela metade as ocorrências da malária”, diz o imunologista Maurício Rodrigues, da Universidade de Federal de São Paulo (Unifesp). “E o fato de ter sido testada com crianças é muito importante porque elas tendem a desenvolver formas mais graves da doença, como a malária cerebral, que pode comprometer a capacidade cognitiva.”
Tsiri Agbenyega, pesquisador-chefe do projeto em Gana, mostra-se bastante otimista diante dos testes e espera agilidade na aprovação do tratamento preventivo. “Podemos prometer que a primeira vacina contra malária se tornará realidade se mantivermos os bons resultados nos testes e começarmos a planejar o futuro”, afirma. “Agora, basta que nossos líderes aproveitem nossos avanços de pesquisa com avanços similares na saúde pública.”
Ainda serão feitos testes com crianças mais novas, de 6 a 12 semanas, que devem durar até o final do ano que vem. Se aprovada pelas autoridades regulatórias e recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a vacina deve chegar ao mercado em 2015.
Dificuldades e esperanças
Segundo Eduardo Ortega, diretor de assuntos médicos para a América Latina da GSK, a maior dificuldade de se alcançar uma eficiência maior com a vacina é a complexidade do parasita em relação a vírus e bactérias.
“Os parasitas têm uma organização muito intrincada, com milhares de proteínas que enganam o sistema imunológico”, diz. “Além disso, o parasita da malária apresenta vários estágios de desenvolvimento. Quando é injetado no sangue pelo mosquito, ele tem uma forma, quando chega ao fígado e ataca as células do sangue, tem outra.”
Por causa desse empecilho, uma vacina com maior taxa de eficiência pode não ser alcançada tão rapidamente. Mas Agbenyega ressalta que a RTS.S não tem a ambição de extinguir a malária; ela deve ser usada em conjunto com outros métodos correntes de prevenção, como mosquiteiros e inseticidas.
Ainda é cedo para se falar no preço da vacina, mas em conferência de imprensa em Washington, o diretor executivo da GSK Andrew Witty garantiu que a empresa, que até agora investiu 300 milhões de dólares na pesquisa, “não pretende fazer dinheiro com o projeto”.
Segundo Witty, no preço estarão incluídos apenas os custos de fabricação mais 5% de lucro, que serão reinvestidos no estudo de outras doenças tropicais.
Hoje a malária faz parte da lista da OMS de doenças tropicais negligenciadas. Com a repercussão da pesquisa, cientistas apostam em uma mudança nesse quadro. O imunologista da Unifesp Maurício Rodrigues, que desenvolve uma vacina contra a malária causada pelo P. vivax – responsável por 80% dos casos da doença no Brasil – já entrou em contato com a GSK na tentativa de iniciar testes clínicos em humanos.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line