A magia da realidade: como sabemos o que é verdade, escrito por Richard Dawkins e ilustrado por Dave McKean, é um livro de divulgação científica direcionado a “jovens leitores”, com o objetivo de ser uma introdução geral à ciência que desperte o seu interesse pelo assunto. Em uma primeira olhada, o livro é mais ou menos como voltar às aulas de ciência da escola, só que com um professor muito mais articulado e provavelmente mais bem informado do que a maioria dos professores de ciência que tivemos.
As explicações sobre a formação do arco-íris, os movimentos das placas tectônicas e, principalmente, os mecanismos por trás da evolução são tão claras e interessantes que nos lembram que muito antes de ficar conhecido por suas pregações anti-religiosas, Dawkins se tornou um best seller por sua impressionante capacidade de expor, de maneira elegante, conceitos científicos complicados. Em A magia da realidade se vê que, como divulgador de ciência, ele continua em plena forma.
Acompanhando tudo isso, as belas ilustrações de McKean – conhecido quadrinista e ilustrador da série Sandman – são bem-sucedidas tanto quando se trata de expor criaturas fantásticas, como goblins e deuses estranhíssimos, quanto na hora de ajudar o leitor a compreender os detalhes técnicos e científicos do texto.
Mas esta não é uma obra dedicada apenas a estimular o gosto de jovens pela ciência. E é aqui que Dawkins revela a sua faceta mais atual e atuante. Cada capítulo começa com menções a lendas e mitos usados pela humanidade ao longo da história para explicar fenômenos naturais. Em seguida, a ‘verdadeira explicação’ (ou seja, a explicação científica) é desfiada – com uma linguagem agradável, simples e coloquial.
O autor coloca no mesmo saco crenças aborígenes, de aldeias africanas, histórias da Bíblia, lendas orientais, entre outras, aparentemente demonstrando a irracionalidade comum a todas elas. No entanto, deixa de fora mitos e histórias islâmicas – um esquecimento curioso para um livro escrito no Reino Unido, onde é impossível passar um dia sem lembrar da existência – e da força – dos muçulmanos no mundo.
A ciência e seu superpoderes
Como não poderia deixar de ser – pelas menções à magia, realidade e verdade feitas no próprio título –, o livro se propõe a responder questões filosóficas complexas. Logo nos capítulos iniciais, discorre sobre o que é ciência, como funciona o método científico, por que devemos ver o mundo com olhos críticos – tudo isso de forma sóbria e ponderada. Essas e outras questões são essenciais para se entender o intenso debate sobre ciência e religião que, parece, é o objetivo final de todas as palavras, atos e respirações de Dawkins – autor de Deus, um delírio.
No entanto, não se sabe se por razões didáticas e de simplificação – afinal, é um livro para “jovens adultos” – ou se por razões de fé do autor, a ciência apresentada no livro é um tanto positivista. Perpassando a obra, há a crença de que a ciência tudo entende e tudo explica. E o que ela não explica, explicará um dia.
Esse posicionamento, que está no cerne do discurso de Dawkins, costuma enfurecer seus críticos. O jornal inglês The Independent, por exemplo, chegou a posicionar a visão científica do biólogo ali no século 19, por causa de afirmações como: “seria preguiçoso, e mesmo desonesto, afirmar que algo é impossível de ser explicado [através da ciência]”.
A explicação do livro para “o que é realidade” também não é lá muito satisfatória: “realidade é o que existe” ou aquilo que conhecemos por meio dos nossos sentidos – ou por instrumentos, que funcionam como uma extensão destes. Coisas imateriais, como sentimentos, até existem, mas dependem inteiramente dos cérebros que lhes dão origem.
Nem tão preto no branco assim
Na penúltima página do livro, porém, o autor admite que para explicar certas coisas talvez seja necessário que se invente um dia um “tipo de ciência radicalmente novo, tão estranho que os antigos cientistas teriam dificuldade até mesmo para reconhecer como ciência”. E complementa: “Isso já aconteceu antes”.
Fica subentendido, portanto, que o raciocínio de Dawkins não é assim tão preto no branco. Mas, por alguma razão, ele acha por bem, nas 264 páginas anteriores – e na maioria de suas declarações públicas – pregar um discurso um tanto mais radical do que essa pequena observação leva a crer.
Passando ao largo dessas questões de filosofia da ciência e do eterno embate ciência e religião, é inegável que A magia da realidade é bem-sucedido em transmitir a sensação de ‘maravilhamento’ com a realidade, mostrando como a ciência pode ser fascinante e, ao mesmo tempo, explicar (quase) tudo. Para Dawkins, afinal, “a realidade é mais mágica do que qualquer mito”.
É verdade que o livro deixa transparecer um positivismo e fé na ciência um tanto exagerados e uma visão antiquada sobre a infalibilidade do método científico. Mas nada que boas conversas sobre arte e filosofia – tarefa extra para pais e educadores – e um lembrete de que a ciência é, no final das contas, feita por seres humanos e condicionada por contextos diversos, não resolvam e ajudem a complementar a cultura científica dos jovens leitores.
Richard Dawkins (tradução Laura Teixeira Motta)
São Paulo, 2012, Companhia das Letras
272 páginas – R$ 54,00
Barbara Axt
Especial para a CH On-line/ Londres