A matemática de Hércules

A aula de matemática está chata. Você olha para o relógio inúmeras vezes, esperando o sinal tocar. O tema é funções exponenciais – ou algo do tipo. Qual a atitude natural de um aluno diante de situações como essa? As opções mais comuns são: a) dormir; b) rabiscar no caderno; c) olhar pela janela.

Se escolher a letra b, ainda existe uma chance de você, além de ter algo para fazer durante longos minutos de tédio, aprender alguma coisa. Bom, se os seus rabiscos forem como os da matemática e musicista – ou ‘matemusicista’, como ela se autodenomina – estadunidense Victoria Hart, quem sabe você venha a entender até conceitos complexos da matemática – como o triângulo de Sierpinski e a teoria dos grafos?

“Aula de matemática não é nada cativante”

Esse, pelo menos, é o objetivo de Vi Hart – como prefere ser chamada – com os vídeos que publica em sua página na internet. Formada em música pela Universidade Stony Brook (EUA), ela afirma que a matemática é apenas um hobby. Mas foi essa atividade que lhe rendeu certa projeção, provocadora de comentários como “você é incrível!”, repetidos sem parar em sua página no Facebook.

Os vídeos são simples: uma câmera em primeira pessoa mostra as mãos de Vi Hart rabiscando loucamente em cadernos pautados. Em sua fala acelerada – 247 palavras por minuto, em um dos vídeos –, pululam alfinetadas como “aula de matemática não é nada cativante” e “esse é um assunto interessante demais para ser incluído no currículo escolar”.

Desenhar para aprender

Por mais politicamente incorreto que o mote de Vi Hart a respeito das aulas convencionais possa parecer, seu propósito fundamental é validado por um grupo de pesquisadores australianos e ingleses, em um artigo publicado na revista Science na semana passada (26/8).

Eles afirmam que o desenho deve ser reconhecido como elemento-chave no aprendizado de ciências, uma vez que a visualização elaborada pelo próprio aluno é fundamental para a construção do pensamento científico. “Os vídeos de Vi Hart mostram o que falamos no artigo”, comenta a psicóloga Shaaron Ainsworth, da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, autora principal do texto. “Desenhar é uma atividade atraente, faz o aluno pensar de forma visual e raciocinar como um matemático.”

Desenho sobre função das válvulas
Desenho criativo de um estudante universitário para compreender melhor um texto sobre a função das válvulas de impedir que o sangue se mova para cima ou para baixo. (ilustração cedida por S. Ainsworth)

Mas isso quer dizer que os desenhos de estrelas e bonecos nos cantos dos cadernos podem nos ajudar a aprender matemática? Bem, não exatamente. “O aprendizado acontece porque o rabisco de Hart tem relação com que ela está pensando sobre matemática, em vez de ser um rabisco aleatório – como as flores ou cubos que costumo desenhar”, pondera Ainsworth.

Desenhos e rabiscos podem ir além da função lúdica ou artística

Vi Hart faz mágica com seu jeito cativante e amalucado de rabiscar e raciocinar. Em seus vídeos, linhas bipartidas transformam-se em hidras mitológicas; elefantes fofos levam a reflexões filosóficas – “você consegue vislumbrar o quão denso o infinito pode ser” –; cobras tornam-se referências à série Harry Potter; e estrelas suscitam dúvidas ontológicas a respeito de números. Difícil não se deixar fascinar.

O que se apreende dos trabalhos dessa ‘matemusicista’ – e do artigo da Science – é que desenhos e rabiscos podem ir além da função lúdica ou artística e, com uma boa dose de curiosidade, conseguem transformar o mais inocente e casual dos traços em objeto de reflexão e de aprendizado integral.

Arsenal de ideias
No flerte da matemática com áreas aparentemente desconexas, Vi Hart teve influências: seu pai constrói esculturas baseadas em formas geométricas e, durante a faculdade, ela mesma já produziu vários artigos em conjunto com o cientista da computação Erik Demaine, do Instituto Tecnológico de Massachusetts, conhecido por suas criações de origami.

Os trabalhos de Hart não se limitam apenas a rabiscos – embora estes já sejam fascinantes o suficiente. Seu site é um arsenal de ideias que envolvem música e matemática. Ela mostra como fazer instrumentos musicais de papel (e depois queimá-los); um cânone de caixinhas de música; formas fractais com bolas de encher e continhas; frutas cortadas em figuras geométricas complexas; e músicas feitas a partir do número π.

Juntamente com seu amigo matemático Sal Khan, Vi Hart produziu, há pouco tempo, um vídeo divertido sobre escalas matemáticas. Khan é fundador e diretor executivo da Khan Academy, uma plataforma educativa on-line semelhante em muitos aspectos ao trabalho de Hart – e à qual voltaremos em breve por aqui.

 

Veja Vi Hart em uma de suas tediosas aulas de matemática

Isabela Fraga
Ciência Hoje/ RJ