A pandemia em tempo real

A foto mostra vírus da influenza do subtipo H5N1, causadores da gripe aviária (imagem: CDC).

Pela primeira vez, pesquisadores estão assistindo passo a passo à chegada de uma nova pandemia – doença que se alastra rapidamente pelo globo. O vírus do subtipo H5N1, responsável pela gripe aviária, está aos poucos sofrendo mutações que podem torná-lo facilmente transmissível entre humanos, o que poderia afetar pessoas em todo o planeta em poucos dias. O mundo conheceu outras pandemias no passado, como a gripe espanhola, que dizimou dezenas de milhões em 1918 e 1919. A diferença é que, agora, sua chegada está sendo acompanhada de perto pelos especialistas.

“Antes, só sabíamos das pandemias quando elas aconteciam”, conta o virologista Edison Luiz Durigon, da Universidade de São Paulo (USP), que fez uma conferência sobre gripe aviária no segundo dia de eventos da reunião anual da SBPC. “Agora estamos acompanhando cada caso, seqüenciando o vírus a cada nova infecção humana e monitorando suas mutações.”

A iminência da pandemia de gripe aviária é um consenso entre os virologistas. “Sabemos que vai acontecer, só não sabemos quando”, avalia Durigon. “Cada novo caso humano pode significar o início da pandemia.” A ocorrência de casos em humanos ainda é limitada: até a data da conferência, havia 229 notificações, com 131 mortes. Mas as estimativas apontam que, caso a gripe aviária seja tão letal quanto a gripe espanhola, o número de mortos pode chegar a 150 milhões em todo o planeta. E há motivos para o temor: o vírus H5N1 é muito patogênico, provoca infecção sistêmica (de vários órgãos) e pode levar à morte em menos de uma semana.

Mutações do vírus

Edison Luiz Durigon, pesquisador da USP, durante conferência sobre gripe aviária na reunião anual da SBPC.

No momento atual, o vírus responsável pela gripe aviária não representa uma ameaça a humanos, pois não temos em nossas células superficiais receptores que reconhecem as proteínas da superfície do vírus. O que assusta os especialistas, no entanto, é que bastam pequenas mudanças na ordem dos aminoácidos que compõem essas proteínas para que isso mude.

 

“Nosso grande medo é que o vírus H5N1 sofra uma mutação e passe a ser reconhecido pelas células superficiais humanas”, conta Durigon. “Essa adaptação depende apenas de três aminoácidos, dos quais um já sofreu a mutação. Por isso ficamos muito assustados quando ouvimos a notícia de que um gato havia sido atingido pela gripe aviária na Alemanha: isso era um sinal de que o vírus está se adaptando para afetar os mamíferos.”

 

Um risco potencial para que haja a mutação temida é o contato do H5N1 com um dos vírus que provocam a gripe de humanos. “Imaginemos uma granja onde um funcionário gripado se infecta com o H5N1 de uma ave”, supõe Durigon. “Nesse caso, ele terá células que replicarão os dois vírus ao mesmo tempo. E aí a chance de esses dois vírus sofrerem uma recombinação e daí saírem um ou mais vírus diferentes é muito grande.”

 

Livres, por enquanto

 

Até o momento, o Brasil e o continente americano estão livres do vírus, que foi identificado inicialmente na Ásia e já chegou à África e à Europa. Para evitar a chegada do vírus é preciso monitorar as aves brasileiras, para identificar se o H5N1 chegou ao país transmitido por aves migratórias. Mas Durigon é cético quanto à capacidade de o país fazer isso. “Só saberemos que o vírus chegou quando tivermos a primeira vítima humana”, avalia. “Infelizmente, o Brasil não tem uma tradição de vigilância epidemiológica e nunca disponibilizou dinheiro para se procurar doenças que ainda não existem no país.”

 

Durigon apresentou em sua conferência algumas iniciativas de seu grupo de pesquisa para monitorar as aves brasileiras. Uma equipe do Laboratório de Virologia e Epidemiologia Molecular da USP está viajando pelo Brasil para capturar aves e coletar secreções que eles analisam em busca do H5N1.

 

“Estamos interessados principalmente em patos, que são o hospedeiro natural do vírus”, conta ele. “Estamos percorrendo pontos importantes de parada desses animais em suas rotas migratórias, como a ilha de Marajó, no Pará, ou a lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul”. Na primeira etapa desse trabalho, não foi encontrado qualquer vestígio do H5N1. Atualmente, há pesquisadores em campo coletando uma segunda leva de amostras, para comparação com a primeira.

 

 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
18/07/2006