A tirania da especialização

Já pensou em fazer um curso de especialização? Se for professor, provavelmente a resposta a essa pergunta será sim. Mas, mesmo não sendo, a resposta muito provavelmente também será sim. Isso porque, na área de educação, vivemos a necessidade constante de atualização. A questão, no entanto, não se impõe apenas nesse campo.

Manter-se atualizado tornou-se praticamente uma tirania. Pesa sobre todos nós – profissionais da educação ou não – a necessidade de aprendizado e atualização constantes. E, quando o caso não é de atualização, recaem em nossos ombros responsabilidades ainda mais severas: é preciso capacitar-se (como se fôssemos incapazes) ou reciclar-se (como se fôssemos sucata). 

Quando o caso não é de atualização, recaem em nossos ombros responsabilidades ainda mais severas: é preciso capacitar-se (como se fôssemos incapazes) ou reciclar-se (como se fôssemos sucata)

Termos inapropriados à parte, o fato é que a tal ‘vida moderna’ está impondo a todos a necessidade de correr atrás de novos conhecimentos. E longe de isso ser negativo, o processo de aprender constantemente ao longo de toda a vida poderia (e deveria) ser encarado como muito positivo, não fossem as ‘arapucas’ ou ‘falsas promessas’ que se encontram no caminho. 

Há atualmente vários cursos destinados a professores, principalmente aqueles oferecidos de forma virtual e na internet. Mas os resultados, em muitos casos, são desanimadores. Visando em muitos casos apenas ao lucro e sem qualquer controle externo, os conhecimentos que oferecem são poucos e nem sempre novos ou confiáveis. O que sobra, em geral, é frustração.

Em vista dessa e de outras dificuldades – como os altos preços cobrados –, muita gente tem mudado e recorrido a uma ‘velha’ e a uma ‘nova’ estratégia para obter a formação desejada. A ‘velha’ é tornar-se autodidata, impondo a si mesmo a autonomia em relação à aprendizagem que tanto buscamos desenvolver em nossos alunos. A ‘nova’ é valer-se das plataformas digitais de aprendizado gratuitas, iniciativa recente em nosso país, mas cuja tendência – tudo leva a crer – é crescer e crescer. 

Vale a pena, portanto, conferir o que há de novo na área.

Prato cheio e de graça

Há muita coisa interessante, por exemplo, no Veduca – portal brasileiro que tem reunido e disponibilizado aulas e cursos de universidades e institutos estrangeiros e nacionais. 

No Veduca, é possível, por exemplo, assistir a aulas com reconhecidos professores de universidades como Harvard, Stanford, de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp), sobre temas muito variados e que perpassam praticamente todas as áreas de ciências, além de engenharia, política, filosofia, comunicação e religião, entre outras. Trata-se, portanto, de um ‘prato cheio’ para quem se interessa por ciências e, em particular, para quem é da área de educação. 

No caso de professores de ciências, o conteúdo disponível no portal pode fazer a diferença, principalmente para aqueles do primeiro ciclo do ensino fundamental, que não têm formação específica em ciências. Um exemplo encontra-se na área de física, omitida dos currículos das séries iniciais, em geral, porque os professores desse ciclo não se sentem confiantes e com o conhecimento suficiente para abordá-la.

Galaxia
Muitas vezes, os professores das séries iniciais do ensino fundamental não se sentem confiantes para abordar temas da área de física e astronomia. A plataforma Veduca pode ser uma excelente opção. (ilustração: Fred Fokkelman/ Sxc. hu)

Como já tivemos oportunidade de discutir aqui, o ensino de astronomia padece desse problema: deveria estar, mas não está, contemplado em nossos currículos básicos – e se a questão nesse caso é, de fato, a falta de conhecimento e segurança por parte dos professores, o conteúdo que se encontra no Veduca pode ajudar.

Algumas dicas

Nesse portal, há oito cursos sobre astronomia, quatro dos quais legendados em português, todos muito interessantes para professores de ciências. Entre os legendados, destaque para ‘Fronteiras: controvérsias na astrofísica’, um curso para ‘não cientistas’ oferecido pelo astrofísico Charles Bailyn, da Universidade Yale (Estados Unidos). As aulas abordam temas como órbitas planetárias; sistema solar; exoplanetas; buracos negros; testes da relatividade; pulsares; lei de Hubble e Big Bang; matéria e energia escura; multiverso e teoria unificada, ou teoria de tudo.

Em astronomia também vale a pena conferir o curso ‘O limite do conhecimento humano’, formado por um conjunto de conferências realizadas pela Technology, Entertainment, Design (TED) que abordam temas relacionados à beleza e à verdade na física; à matéria escura, aos objetos quânticos, à teoria das cordas, à teoria de tudo e ao que acontece no acelerador de partículas do Centro Europeu de Pesquisas (Cern). 

Além dessas, vale outra dica: se o seu interesse for a física de um modo ainda mais amplo, não deixe de assistir ao curso ‘Fundamentos da física’, ministrado por Ramamurti Shankar, da Universidade Yale, ou sobre ‘Eletromagnetismo’, oferecido por Vanderlei Salvador Bagnato, da Universidade de São Paulo, em São Carlos.

Na área de educação propriamente dita, cabe mencionar alguns destaques: ‘Criatividade na resolução de problemas’ (TED); ‘Tópicos de epistemologia e didática’, com Nilson Machado (USP); ‘Dalai Lama e a compaixão’ (Universidade Stanford).

Assista ao vídeo do Dalai Lama (em inglês)

 

O tema desse último curso, em particular, pode surpreender. O que tem a ver Dalai Lama, compaixão e educação? À primeira vista, pode parecer pseudociência, que foi duramente criticada aqui – em ‘A ascensão da neurobobagem popular‘ e ‘Antídoto contra pseudociências‘). Mas não se trata disso. Ao contrário, o curso citado reúne várias seções de apresentação de um simpósio organizado pela Universidade Stanford para discutir os resultados das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas com o objetivo de delinear as bases neurais e psicológicas de comportamentos sociais, entre os quais se encontram o altruísmo e a compaixão. 

O Dalai Lama, no caso, é expectador e mediador desses debates, tendo sido um dos que estimularam o início dessas pesquisas nas décadas de 1980 e 1990, quando o psicólogo Daniel Goleman e outros pesquisadores propuseram que a educação considerasse também o desenvolvimento de aspectos sociais e emocionais. 

Assista em especial à aula ‘O papel da compaixão na educação e um contexto social mais amplo’ (com legendas em português), que se encontra no curso ‘Dalai Lama e a compaixão’, e perceba como a visão tradicional de nossa educação – ainda muito centrada na transmissão e aquisição de informações e conceitos – precisa ser superada e, principalmente, como é importante que busquemos de fato nos atualizar.

Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP