Mais de mil físicos, de áreas bastante diversificadas, trabalham com experimentos dos mais variados no Cern. Porém não há como fugir: quando se fala no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear, a primeira imagem que vem à mente é o LHC e a busca desse grande colisor de hádrons pelo bóson de Higgs, partícula subatômica que validaria o atual modelo padrão da física de partículas.
Para divulgar o tanto de experiências que acontecem no Cern, foi convocada a física canadense Pauline Gagnon, que já fazia pesquisa no centro. Em 2006, ela assumiu o Atlas e-News, boletim que em sua gestão passou a ser publicado mensalmente – em vez de a cada três meses – na internet.
O Atlas e-News foi suspenso no ano passado, mas Gagnon continuou na linha de frente da comunicação do Cern. Prova disso é a quantidade de artigos e posts de blogue sobre as pesquisas realizadas no centro que ela escreve internet afora – em especial, nas publicações do próprio Cern, como o The bulletin e o Cern courier, e no Quantum diaries, blogue sobre física que reúne cientistas de diversos países.
Aliás, foi no Quantum diaries que Gagnon publicou, recentemente, texto em que apresenta o leitor às experiências do Cern que ficam fora dos holofotes – onde tanto se estudam as propriedades e o comportamento da antimatéria quanto se testam terapias contra o câncer.
Em 2011, por exemplo, uma equipe de físicos do centro conseguiu prender átomos de anti-hidrogênio por mais de quinze minutos – feito absolutamente inédito até então. Como explica Gagnon em seu post, num acelerador de alta energia, antipartículas e partículas são produzidas em quantidades iguais. O difícil, no caso, é impedir que as antipartículas sigam o seu curso natural e se aniquilem no contato com a matéria ao seu redor.
A tática para capturar o átomo raro por tanto tempo foi confiná-lo no que os cientistas chamaram de ‘garrafa magnética’, um espaço com campos magnéticos fortes e com vácuo elevado que impedem o contato de matéria e antimatéria. Agora, pela primeira vez na história, cientistas têm dados suficientes para estudar um átomo de anti-hidrogênio.
Menos célebres
Esse feito, como afirma a própria cientista, embora menos celebrado do que a maioria das especulações sobre o bóson de Higgs, até que ganhou certo destaque nos meios de comunicação. O que não acontece, em geral, com experiências como a hadronterapia, uma terapia contra o câncer que usa prótons e íons em vez de fótons de raios X, como na radioterapia convencional.
O objetivo dos estudos com hadronterapia é criar uma técnica capaz de destruir apenas as células cancerosas, o que não ocorre com a terapia com fótons, que compromete também as células saudáveis. É mais fácil, segundo Gagnon, controlar a energia emitida por prótons e íons e, também, precisar exatamente o lugar do corpo em que essas partículas subatômicas devem atuar. A terapia já foi testada em mais de 60 mil pacientes no mundo, mas estudos complementares ainda precisam ser feitos e o Cern tem papel fundamental como catalisador desse tipo de pesquisa.
Com o mais potente acelerador de partículas em mãos, os físicos do centro estudam atualmente uma segunda geração da hadronterapia – agora com feixes de antiprótons. Como o tratamento ocorreria? Por meio de um complexo processo no qual antiquarks de antiprótons entram em contato explosivo com quarks de prótons ou nêutrons dessas células cancerosas. Gagnon conta que o trabalho é precursor e os primeiros resultados devem ser publicados neste ano.
A cientista cita ainda estudos com outro pequeno acelerador de partículas do Cern, o PSB, que adiciona prótons em diversos elementos químicos, produzindo assim núcleos atômicos ‘exóticos’. Além disso, diz Gagnon, os físicos do Cern trabalham num enigma ainda sem solução: como se formam as partículas de aerossóis na atmosfera? Na experiência desenvolvida no centro, os cientistas usam feixes de píons – partículas subatômicas descobertas por Cesar Lattes, Giuseppe Occhialini e Cecil Powell – para simular a influência dos raios cósmicos no processo.
A CH On-line conversou, por e-mail, com Pauline Gagnon. A física conta na entrevista abaixo como é fazer divulgação científica no ‘olho do furacão’, onde acontecem as principais descobertas de física de fronteira no mundo. E mais: como ela consegue conciliar esse trabalho com a sua carreira na física. Sim, Gagnon, por incrível que pareça, faz pesquisa de ponta no Cern e está à caça de um tipo de bóson muito particular: o ‘Higgs invisível’.
CH On-line: Como é a sua atuação como cientista no Cern e o que você estuda?
Pauline Gagnon: Normalmente, participo de reuniões dentro do meu grupo de pesquisa no Atlas [uma das experiências no LHC] e investigo o bóson de Higgs que poderia decair em algo invisível no nosso detector. Procuro um momento de desequilíbrio nos eventos do detector e também procuro alguma partícula de matéria escura. Não demos sorte até agora!
Como esse bóson de Higgs se relaciona com a matéria escura que você citou?
Chamamos essa partícula de ‘Higgs invisível’. Poderia aparecer, por exemplo, caso o Higgs decaia em alguma partícula de matéria escura. Esta não iria interagir com os nossos sensores no detector, iria apenas escapar. Mas poderíamos encontrá-la de qualquer maneira porque o nosso detector é hermético.
Como isso seria possível?
Quando dois prótons colidem, tiramos uma ‘foto’ do que acontece. Ela geralmente parece fogos de artifício em miniatura, com ‘detritos’ voando em todas as direções. Se o Higgs decai em algo invisível, veríamos um vazio em uma direção e o detectaríamos. Normalmente, cada evento é equilibrado, com ‘detritos’ que voam para fora uniformemente. Portanto, se há uma lacuna ou espaço vazio, sabemos que algo que não podemos ver escapou. É como achamos que vamos capturar esse tipo de evento caso ele realmente aconteça.
E como você concilia o seu tempo com a divulgação científica?
Mesmo com o fim do Atlas e-News, passo metade dos meus diasinteragindo com a imprensa, escrevendo para blogues e para outraspublicações do Cern. Eu também ajudo vários projetos de extensão,converso com visitantes, estudantes e jornalistas.
Mas, na verdade, é difícil fazer as duas coisas [pesquisa edivulgação], já que só para se manter informado sobre o que estáacontecendo leva um monte de tempo. E esse tipo de pesquisa deve ser umprojeto em tempo integral. Portanto, não estou progredindo rapidamente,mas participar do projeto me mantém, ao menos, informada. A verdade é quegosto muito de física e acho realmente emocionante mostrar o queacontece aqui.
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line