Adeus, Ab’Sáber!

Ele já tinha vivido 87 incansáveis anos, já tinha conhecido detalhadamente o Brasil e já tinha dado inúmeras contribuições à ciência. Já tinha plantado árvore, escrito livro e colocado filho no mundo. Mesmo assim, não deixa de ser um choque saber que Aziz Nacib Ab’Sáber, um dos geógrafos mais importantes do Brasil, morreu.

Especialista em geomorfologia – sem nunca ter deixado de lado preocupações sociais e políticas –, Ab’Sáber é responsável por diversas teorias e projetos inovadores nessa área de pesquisa. Em uma época em que ainda não existia um senso ecológico entre professores e pesquisadores de geografia, Ab’Sáber decidiu se dedicar ao estudo dessa disciplina associada à natureza.

Conhecido como um dos autores da teoria dos refúgios, foi o primeiro a identificar as faixas de transição entre os domínios da natureza no Brasil e descobriu as core areas – núcleos de reprodução de vida. Seu trabalho permitiu conhecer melhor a história geoecológica do país e compreender a formação atual de nosso ecossistema.

As pesquisas de Ab’Sáber não se limitaram à geografia física. Patriota assumido, ele estudou a relação do homem com o meio ambiente em diversas regiões do país, entre as quais o sertão seco do Nordeste brasileiro. Em artigo escrito na 18ª edição da revista CH (‘Os sertões: a originalidade da terra’), destacou a importância de conhecer as bases físicas e ecológicas dessa região para compreender melhor “as razões do grande drama dos grupos humanos que ali habitam”.

Perfil Aziz Ab’Sáber
Detalhe da primeira página do perfil de Aziz Ab’Sáber publicado na edição de julho de 1992 da revista Ciência Hoje. Clique na imagem para baixar o arquivo.

 
Filho de comerciante libanês, o paulista de São Luís do Paraitinga – cidade natal de outro pesquisador de renome: o médico e sanitarista Oswaldo Cruz – nasceu em 24 de outubro de 1924. Realizou todas as etapas da educação básica na quase vizinha cidade de Caçapava, onde teve contato com professores formados pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, o que acabou determinando o seu futuro acadêmico.

Naquela época, pensava em ser historiador, mas os preços proibitivos dos livros e revistas de história acabaram por empurrá-lo para a geografia. “Nas primeiras excursões ao campo, descobri que na geografia eu podia ler a paisagem e não precisava de livros”, conta o próprio Aziz, em perfil publicado na revista CH 82 (julho de 1992). “E também não precisava de bibliografia para os trabalhos que deveríamos fazer. Bastava ter saúde e boa vontade.”

Não foi a única vez que as difíceis condições financeiras influenciaram positivamente o seu destino. Por falta de equipamento fotográfico nas pesquisas de campo, aprendeu a desenhar, ou melhor, tornou-se um exímio “esboçador de desenhos”, em suas próprias palavras.

Com seus esboços, traçou boa parte da topografia e das paisagens brasileiras. Nas últimas décadas, não enfrentava mais a resistência que havia encontrado, ainda jovem, ao propor suas ideias inovadoras. Pelo contrário, é reconhecido e admirado no meio acadêmico. Prova disso é a série de prêmios que recebeu em vida e as já carinhosas e saudosas mensagens disseminadas na internet desde a manhã desta sexta-feira.

A redação