Além do garimpo

Lâmpadas, fertilizantes, produtos químicos… O mercúrio está em todas, e engana-se quem pensa ser o garimpo o único responsável pela emissão desse poluente.

“A variedade de usos desse metal é tamanha; qualquer equipamento eletrônico contém mercúrio, além de vários outros metais pesados”, afirma o biólogo Wanderley Bastos, da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

Ele lembra, ainda, que cada lâmpada fluorescente tem em sua formulação algo em torno de 20 mg de mercúrio. “E nos últimos dez anos, no Brasil, houve um movimento para substituir luminárias incandescentes por fluorescentes. No quesito economia energética, é ótimo. Mas do ponto de vista ambiental é péssimo”, analisa Bastos.

“Que procedimentos sistemáticos de reciclagem nós temos para dar conta do descarte de lâmpadas fluorescentes?”, reclama o biólogo da Unir. Ele se queixa do fato de que, em todo o país, menos de meia dúzia de empresas se dedica ao reaproveitamento desse material. “Jogamos tudo no lixo; ou seja, estamos pulverizando mercúrio em todo o território brasileiro.”

“Jogamos tudo no lixo; ou seja, estamos pulverizando mercúrio em todo o território brasileiro”

De fato, uma só lâmpada pode contaminar 15 mil litros d’água – e por essa razão jamais deve ser descartada em lixo comum. Para o futuro, Bastos aposta nas lâmpadas de LED (sigla em inglês para ‘diodo emissor de luz’), isentas do poluente.

Mas, na verdade, o setor que mais utiliza mercúrio – muito mais que o garimpo – é a indústria responsável pela fabricação de soda cáustica e cloro. E o Brasil, segundo os pesquisadores, é um dos únicos países que ainda insiste na utilização de mercúrio para esse fim.

“Visitamos uma fábrica no Rio de Janeiro (RJ) há alguns anos e ficamos assustados”, comenta Bastos. Pois boa parte daquele mercúrio que os pesquisadores observavam teria destino certo: o rio Irajá e a baía de Guanabara.

Era a Pan-Americana S.A, uma das maiores indústrias químicas do Rio de Janeiro. A pergunta fatídica: será que, ainda hoje, ela continua a utilizar mercúrio e a despejá-lo sem maiores cuidados?

A CH On-line encaminhou a dúvida para o correio eletrônico da empresa, mas a tentativa de contato não foi exitosa. (O leitor será bem-vindo para colaborar com a reportagem e cobrar da Pan-Americana S.A. uma posição a respeito do tema).

Enquanto isso, no Rio de Janeiro…

Quando o assunto é poluição, todos sabem que a baía de Guanabara – cartão postal da capital carioca – vai de mal a pior. Mas nem sempre lembramos que, além da degradação usual por esgoto, os sedimentos dessa baía também apresentam índices preocupantes de mercúrio.

Baía de Guanabara
A baía de Guanabara, cartão postal do Rio de Janeiro, é castigada diariamente com mais de 3 mil toneladas de resíduos sólidos, entre eles o mercúrio. (foto: Rafael Soares Pinto/ Flickr – CC BY-NC 2.0)

Artigo publicado em 1995 aponta, em alguns locais, uma variação de 0,7 a 20 mg/kg. São valores muito superiores aos considerados normais para a região (0,1 mg/kg, aproximadamente). “O problema, embora grave, vem sendo tratado com certa indiferença”, escrevem os autores do estudo, que, embora publicado há quase 20 anos, permanece bastante atual – pois o mercúrio é um elemento de notável resiliência nos ecossistemas. Seja como for, esse é apenas um dos reveses que assola aquelas águas.

“O problema, embora grave, vem sendo tratado com certa indiferença”

Nas barbas do segundo maior parque industrial do país – são mais de 7 mil indústrias na região –, a baía de Guanabara é castigada diariamente com mais de 3 mil toneladas de resíduos sólidos de todo tipo. São 22 kg de cianeto; 1.800 de sulfetos; 4.800 de metais pesados (entre os quais o mercúrio); 6 mil kg de óleo; toda sorte de tralha e sujeira.

Não é difícil entender por que a pesca na baía de Guanabara definhou em mais de 90% nas últimas duas décadas; e não é desafiador imaginar por que as praias do Rio de Janeiro dificilmente apresentam patamares saudáveis de balneabilidade.

Este é o quarto texto da série ‘Rastros do mercúrio‘, publicada esta semana na CH On-line. Confira aqui todos os textos.

Henrique Kugler
Ciência Hoje/ RJ