No dia 1º de abril, faleceu, na cidade de São Paulo, a mesma onde nascera há 78 anos, a física e historiadora da ciência Amélia Império Hamburger devido a complicações causadas por um câncer contra o qual lutava desde 2005.
Mesmo na sua luta contra a doença, que nos privou da sua presença marcante e necessária – deixando-nos para sempre mais pobres e tristes –, Amélia manteve-se fiel ao seu modo de ser: doce, afável, corajoso e persistente. Isso não deve nos causar espanto: a força de Amélia originava-se na sua personalidade.
De ascendência italiana, Amélia viveu na capital paulistana com os pais (Domingos e Helena) e o irmão Flávio Império (1935-1985) – figura expressiva no domínio da arquitetura e cenografia –, até ingressar na Universidade de São Paulo (USP), no início da década de 1950.
Na USP, formou-se em física e conheceu Ernst Wolfgang Hamburger, com que foi casada por mais de meio século e teve cinco filhos (Esther, Sônia, Carlos, Vera e Fernando).
Amélia e Ernesto – versão abrasileirada e mais usada de seu nome – não conheceram a época de construção do departamento de física da universidade paulista realizada por Gleb Watgahin (1899-1986) entre 1934 e 1948. Ainda assim, os anos em que lá passaram foram significativos, pois correspondem à instalação e ao início do funcionamento de máquinas usadas em física nuclear.
Além disso, estudaram e interagiram com Mário Schenberg (1916-1990), David Bohm (1917-1992), Guido Beck (1903-1988), Marcelo Damy de Souza Santos (1914-2009), Oscar Sala (1922-2010) e José Goldemberg (1928-), entre outros.
Foi num desses laboratórios – o que abrigava o Van der Graaf – que Amélia começou uma carreira experimental em física nuclear. Com o passar dos anos, à física nuclear, Amélia acrescentou outras áreas de interesse: história da ciência, ensino de ciências, filosofia da ciência e arte. Não deve ser esquecida a sua preocupação em organizar o arquivo do Instituto de Física (IF) da USP e dos papéis de Schenberg, tarefas as quais se dedicou em fins do século passado.
Marcas afetivas
Em todos os domínios em que atuou, Amélia deixou a sua marca, seja através da publicação de artigos acadêmicos em revistas especializadas, seja por meio de outras realizações como exposições, organização de livros e simpósios.
Recentemente, ela publicou o primeiro volume das obras completas de Schenberg, feito relevante para o nosso meio cultural pouco acostumado a esse tipo de publicação. Esse volume mereceu em 2010 o prêmio Jabuti.
Tinha eu um ano de idade quando “conheci” em Pittsburgh (Estados Unidos) a família Hamburger. Meus pais – Antonio Luciano Leite Videira e Ana Maria Abdonor Passos – tinham ido para lá vindos de Princeton. De regresso ao Brasil, convivi até o início de 1969 com Amélia, Ernesto e filhos quando nos mudamos para o Rio de Janeiro.
Fiquei alguns anos afastado. Em fins da década de 1980, insatisfeito com os rumos que tomava o meu doutorado em filosofia da ciência na Universidade de Heidelberg (Alemanhã), fui socorrido pela amizade de Amélia e Ernesto. Com a ajuda deles, consegui me transferir para Paris, onde concluí o doutoramento, orientado por Michel Paty, outro de seus grandes amigos.
Nos anos 1990, a convivência com os Hamburgers tornou-se mais frequente. Em meados daquela década, organizei com Amélia, Ernesto e a minha irmã, Ana Luisa, uma exposição comemorativa dos 50 anos de descoberta do méson pi.
Uma marca característica dos mais de 50 anos da carreira acadêmica de Amélia, quase sempre na USP, com exceções de períodos em que trabalhou nos Estados Unidos e na Bahia – quando teve que se afastar de São Paulo devido a perseguições da ditadura militar –, é nunca ter deixado de se preocupar com os outros.
Sua preocupação não se resumia às condições materiais (laboratórios, livros, instrumentos etc.) da prática da ciência. Ela se interessava em saber se o/a cientista estava feliz com o seu trabalho. Não haveria razão para separar ciência e vida.
A minha convivência de 45 anos com Amélia me fez conhecer e admirar a sua militância em favor da ideia de que o ser humano é, acima de tudo, a sua personalidade, sendo a inteligência parte integrante desta.
Como afirmei em 2001, em livro que assino com outro de seus amigos de longa data, seu colega no IF da USP, Sílvio Salinas: “Os resultados acadêmicos têm pouca valia se não são obtidos com prazer e satisfação”.
Em janeiro deste ano, o meu pai, ao comentar a importância de Amélia e Ernesto, dizia-me que a amizade dos dois é de tipo raro e especial, já que eles nunca pedem nada em troca, nunca pedem para que as pessoas deixem de ser o que são:
“Os outros atos podem estar simplesmente tolhidos
de sua possibilidade de realizar suas
coincidências naturais,
o destino de cada um,
seus encontros,
tão fortuitos quanto constitutivos.”
(Amélia Império Hamburger, In forma ação da medida)
Antonio Augusto – Guto, por causa da Amélia…. – Passos Videira
Departamento de Filosofia/IFCH
Centro de Ciências Sociais
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
A física Amélia Império Hamburger manteve uma relação próxima com o Instituto Ciência Hoje. Entre as diversas contribuições estão a elaboração dos perfis do físico Marcelo Damy de Souza Santos (1914-2009) – com Carmen Weingrill – e do também físico Oscar Sala (1922-2010). Ao saber de seu falecimento, a diretoria do Instituto enviou a seguinte mensagem de solidariedade à família:
“É com profundo pesar que a diretoria e funcionários do Instituto Ciência Hoje lamentam o falecimento da professora Amélia Hamburger, uma das pioneiras da pesquisa e do ensino da física no Brasil. Prestamos nossa solidariedade e apoio nesse momento de imensa tristeza ao querido professor Ernst Hamburger e sua família.”