Arte viva

Para o leitor que mora no Rio de Janeiro ou está de passagem pela cidade, aqui vai uma dica de programa alternativo para o carnaval. Se você gosta de arte e ciência, tem agora a chance de conhecer um pouco mais o trabalho de Eduardo Kac. A exposição Biotopos, lagoglifos e obras transgênicas está em cartaz até 7 de março, no Oi Futuro Flamengo, e apresenta algumas peças que podem ser definidas como arte com um toque de biotecnologia.  

Edúnia - Eduardo Kac
A Edúnia – organismo híbrido em que um gene de Eduardo Kac extraído de seu sangue foi inserido em uma petúnia – é evocada em fotos e instalações na exposição em cartaz no Rio de Janeiro (foto: Bernardo Esteves).

Desde os anos 1990 esse artista plástico brasileiro realiza obras que promovem um diálogo com a biotecnologia e a filosofia. Ele ficou conhecido por praticar aquilo que ele chama de “arte transgênica”, que recorre à engenharia genética para criar não apenas objetos, mas seres vivos únicos a partir da combinação de genes de diferentes espécies.

“Quando a vida é criada no contexto da arte, ela é arte”, diz Eduardo Kac

Sua “obra transgênica” mais conhecida é a coelhinha Alba, criada em laboratório com a inserção de um gene que faz com que ela fique verde fluorescente no escuro. Esse trabalho foi viabilizado pela tecnologia das proteínas fluorescentes, que rendeu o Nobel de Química de 2008 a seus criadores.

Kac justificou sua visão da bioarte na entrevista que concedeu à jornalista Sheila Kaplan, publicada na Ciência Hoje de julho de 2009: “Sou artista e o que faço é, pura e simplesmente, arte. Quando a vida é criada no contexto da arte, ela é arte.” Para ele, esse tipo de expressão é a grande tendência do futuro. “As novas gerações, que cresceram com internet e biotecnologia, apreciam culturalmente a poética desses novos meios”, afirmou.

Desconcerto

A primeira sensação de quem visita a exposição em cartaz no Rio é de desconcerto, a começar pelo título da exposição. Mas, aos poucos, ao observar as obras e ler os textos que explicam o conceito por trás delas, o visitante começa a se familiarizar com o princípio da arte transgênica.

Lagoglifos - Eduardo Kac
Os lagoflifos são discos de aço com desenhos nas cores verde e preto que representam a vida da coelhinha Alba e, ao mesmo tempo, a confusão e frustração de dar um significado conciso a essa obra (foto: Bernardo Esteves).

A primeira sala da exposição apresenta os chamados lagoglifos. Trata-se de um conjunto de cinco discos de aço gravados e pintados com mensagens que refletem a experiência de Kac com a coelha Alba (que não está exposta no Rio). Essas mensagens foram transmitidas por ondas de rádio para a constelação de Lepus (lebre, em latim) em março de 2009. Vale lembrar que um dos objetivos do artista é explorar os variados tipos de comunicação, seja entre células e espécies ou mesmo as relações virtuais em rede ou conexões de telepresença.

A mensagem dos lagoglifos foi transmitida para a constelação de Lepus em março de 2009

Outra atração interessante da exposição são os objetos derivados do projeto Edúnia (uma combinação de “Eduardo” com “petúnia”) – uma planta híbrida na qual o artista plástico inseriu um de seus genes. A flor não está presente na exposição, mas aparece em fotos e instalações com terra e as embalagens usadas para armazenar suas sementes.

A mostra inclui ainda os biotopos, objetos de arte que são organismos vivos. Eles lembram pinturas abstratas, com uma diferença: são formados por microrganismos vivos emoldurados em um vidro preenchido com terra, água e outros ingredientes. A impressão é de observar uma pintura viva, uma espécie de composição visual que se movimenta em câmera lenta. 

Biotopos - Eduardo Kac
As cores e as formas geométricas dos biotopos variam com o tempo, à medida que os mircrorganismos armazenados ali vão deixando seus rastros (foto: Bernardo Esteves).

Com os biotopos e a arte transgênica, Kac mostra que a arte pode criar novas formas de vida – e vice-versa. A exposição mostra que arte, ciência, tecnologia e comunicação andam cada vez mais juntas, e o resultado dessa relação é surpreendente.

Mas a mostra pode frustrar quem quiser conhecer um pouco mais sobre as técnicas usadas na produção da coelha Alba e da Edúnia: a ausência de textos e fotos que documentem e expliquem a elaboração dessas obras limita o alcance das reflexões sobre o diálogo entre ciência e arte suscitadas por elas.

Eduardo Kac: Biotopos,
lagoglifos e obras transgênicas

Oi Futuro – Flamengo
Rua Dois de Dezembro, 63
Flamengo – Rio de Janeiro (RJ)
De terça a domingo, das 11h às 20h
Até 7 de março
Entrada franca
Classificação etária: livre

Larissa Rangel
Ciência Hoje On-line