Astronomia no limite

Imagine subir a segunda construção humana mais elevada do mundo, a 5,05 mil metros de altitude. Se você não sabe o que isso envolve, te conto por experiência própria: um frio de rachar, mesmo que seja verão, ventos fortes que congelam o seu ouvido e pouco oxigênio. A essa altura, o nível de oxigênio no ar é metade do que estamos acostumados a respirar no nível do mar. Isso significa que um simples passo dado parece uma corrida para seus pulmões.

Foi sob tais condições que visitei – apesar de tudo, muito animada – o observatório Grande Arranjo Milimétrico e Submilimétrico do Atacama (Alma, na sigla em inglês), no altiplano Chajnandor, no Chile, que, para completar, fica no deserto mais seco do mundo!

Antes de subir ao topo, onde já estão 16 antenas que formarão o radiotelescópio capaz de enxergar as zonas mais frias, escuras e distantes do universo, eu e o restante do grupo de jornalistas brasileiros convidados para conhecer o lugar paramos a 2,9 mil metros para fazer um exame médico, que daria o aval para prosseguirmos (ou não).

Notícia animadora: ‘Atleta britânica de 23 anos morre por mal de altitude no Chile’

Na sala do exame médico, para nos ‘tranquilizar’, um quadro de cortiça na parede destacava a seguinte notícia: ‘Atleta britânica de 23 anos morre por mal de altitude no Chile’. Estrategicamente posicionada, a matéria contava que a jovem, vencedora de muitos prêmios de atletismo, havia falecido no Atacama por conta do que os nativos chamam de “puna”.

Apesar do impacto dessa informação, a pressão sanguínea de todos se manteve no limite para passar no teste e conseguir assinar um acordo macabro em que, perdoem-me o trocadilho, entreguei minha alma ao Alma. Ao assinar o documento de duas páginas, nós jornalistas eximimos o observatório de qualquer responsabilidade sobre a nossa eventual morte, mesmo que por negligência do pessoal de lá.

Contrato de responsabilidade
Contrato de responsabilidade assinado pelos visitantes do Alma. (foto: Sofia Moutinho)

“O mal de altitude ainda é pouco estudado e nunca se sabe o que pode acontecer”, disse o nosso guia, Fabio Marchet, vice-gerente de projetos do Alma. “Existe o risco de morte, mas muita gente sente apenas um mal-estar.” E, na tentativa de nos acalmar, prosseguiu: “Não se preocupem com o aneurisma cerebral, pois vamos ficar pouco tempo lá em cima.”

Durante a subida, de van, fomos constantemente monitorados com um oxímetro, pequeno aparelho que mede o nível de oxigênio no sangue apenas pelo contato com a ponta do seu dedo. Todos receberam garrafas de oxigênio com direito a 42 fungadas e a instrução de não temer em usá-las, principalmente se o nível de oxigênio no sangue ficasse abaixo de 80%. Não sei se o equipamento estava funcionando muito bem, mas de 96% no início do trajeto, meu nível de oxigênio caiu para 60%.

Apesar dos vários newtons de ar a menos em cima da minha cabeça por causa da altitude, a sensação era de uma enorme pressão sobre todo o meu corpo. Mas sobrevivi, com uma dor de cabeça insistente e alguns mililitros de sangue a menos que teimavam em jorrar do meu nariz. 

Sofia Moutinho no Alma
Repórter do ICH mede o nível de oxigênio no sangue e inala o gás. (fotos: Gustavo Rojas/Sofia Moutinho)

Na sala de suporte, única construção ao lado das antenas, todos trabalhavam com mochilas de oxigênio presas às costas, parecendo doentes terminais. O engenheiro eletrônico Alejandro Saenz, responsável pelo supercomputador que controla as antenas do Alma, diz já estar acostumado, pois enfrenta essa rotina desde que a primeira antena foi movida para o topo do Chajnator, em 2009. 

Alejandro Saenz brinca: “Eu não tenho medo nenhum, só fiquei mais assustado quando soube que podia prejudicar o meu cérebro”

“Eu não tenho medo nenhum, só fiquei mais assustado quando soube que podia prejudicar o meu cérebro”, responde em tom de brincadeira, como se não se importasse. “Mas o observatório provê a infraestrutura necessária para que o trabalho seja seguro e todos aqui sabem dos riscos da altitude. Até hoje meu único problema foi no meu primeiro dia, quando me senti cansado e tive uma dor de cabeça muito forte, mas depois o seu corpo se acostuma e começa a produzir mais hemoglobinas para transportar oxigênio.”

Depois da experiência, passei a admirar ainda mais as pessoas por trás dos equipamentos que fazem as belas imagens que vemos do universo. Não são somente os telescópios que ultrapassam os limites físicos para fazer ciência.


Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line