Que a energia produzida em usinas hidrelétricas não é exatamente ‘limpa’ e ‘renovável’ já foi dito. Colunas, artigos e reportagens da CH On-line e da revista CH alertam sobre os efeitos ambientais e sociais dessas construções, que representam a maior parte da matriz energética brasileira.
Ainda assim, a construção de hidrelétricas segue a todo vapor, formando uma chamada “indústria barrageira”, como define o engenheiro Arsenio Oswaldo Sevá, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Ensina-se nas faculdades de engenharia e divulga-se para a população que hidrelétricas são construções que usam a água dos rios para produzir energia, nada mais que isso”, problematizou o engenheiro, em conferência realizada nessa quarta-feira (13/7), na 63ª Reunião Anual da SBPC.
Em vez de uma imagem puramente técnica, a forma de divulgação defendida por Sevá leva em conta os múltiplos riscos – graves – ocasionados pelas hidrelétricas para o meio ambiente e para as populações atingidas.
No entanto, alguns mitos a respeito dessas usinas dificultam essa compreensão mais realista. Um deles é sua caracterização como ‘renovável’. “Dizer que há forma de energia renovável é uma aberração: nenhuma conversão de energia tem 100% de eficiência, sempre há perda”, ressaltou Sevá.
Mais do que uma construção da engenharia, para ele, as usinas hidrelétricas são unidades de negócio, cujos objetivos são gerar e vender eletricidade, se possível, com uma alta margem de lucro e indefinidamente. “O mercado é dominado por grandes grupos econômicos que são mais poderosos que o próprio Estado, seu suposto regulador”, alfinetou.
O silêncio forçado dos atingidos
Em todo o sistema de uma usina hidrelétrica, a barragem representa ponto crucial. Sua construção gera a formação de uma represa que muda toda a configuração do rio – bem como a utilização deste pelas populações que vivem nas redondezas. “Um rio barrado deixa de ser um rio de fato para se tornar um conjunto de ecossistemas parcialmente gerenciados”, sentenciou Sevá.
Ele se refere ao cenário inédito que se forma depois da barragem. O antigo relevo, com seu solo e biomassa submersos, soma-se à biomassa adicional, à poluição e aos sedimentos afluentes. O resultado: a formação de um sistema trifásico – partes sólida, líquida e gasosa, e não apenas água – com oxigênio rarefeito, o que favorece a fermentação anaeróbica e resulta na liberação de gases tóxicos.
Nas áreas mais rasas, acontece a eutrofização – excesso de nutrientes que provoca aumento excessivo de algas. O fenômeno é responsável pela liberação de gás metano e sulfídrico, bem como propicia a multiplicação de vetores de doenças, como insetos e caramujos.
Se o impacto das barragens nas populações que vivem nas áreas inundadas é radical – como já contou nosso colunista Luiz Fernando Dias Duarte –, os habitantes de cidades e vilas rio abaixo também podem experimentar algumas consequências danosas das hidrelétricas, como a “abertura intempestiva de comportas”, nas palavras de Sevá, e o rompimento de barragens.
O primeiro caso acontece quando o nível da represa está muito alto e considera-se necessário deixar vazar parte da água. “Os engenheiros conhecem as maneiras de prever quanto o rio vai subir com a abertura das comportas e podem muito bem avisar às populações em um plano emergencial”, afirmou Sevá. Mas nem sempre isso acontece.
O rompimento de barragens é potencialmente mais grave, pois pode destruir rapidamente casas, fazendas e causar mortes. O incidente já aconteceu na usina Espora, em Aporé (GO); e na barragem Algodões 1, em Cocal (PI). Este último deixou quatro mortos e obrigou quase três mil pessoas a abandonarem suas casas em 2009.
O exemplo contrário também pode acontecer e é igualmente perigoso: o fechamento completo das comportas, que seca o curso do rio abaixo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o rio Tocantins em 1998, quando as comportas da usina Serra de Mesa (GO) foram fechadas pelas empresas Furnas e VBC.
Apesar dos múltiplos riscos, Sevá não se posiciona contrariamente às hidrelétricas, ‘apenas’ critica o mascaramento dos problemas que acarretam. “A redução dos riscos passa por um melhor planejamento da própria usina, mas também por uma reconfiguração do consumo energético e da economia”, ponderou.
Isabela Fraga
Ciência Hoje/ RJ
Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
O nome do engenheiro da Unicamp é Arsenio Oswaldo Sevá e não Savé. (17/7/2011)
Acompanhe a cobertura completa da 63ª Reunião Anual da SBPC e confira a galeria de imagens do evento.