Batalha contra o cólera

O cólera é hoje uma doença de fácil tratamento. Sabemos que ela pode ser prevenida com um sistema adequado de saneamento urbano, mas nem sempre foi assim. Na insalubre Londres vitoriana, por exemplo, uma epidemia da doença matou mais de 500 pessoas em uma semana, em um único bairro. A história dessa epidemia – uma das piores já registradas – e a luta de dois homens para conter o avanço da doença são o tema do fascinante livro O mapa fantasma, de Steven Johnson.

Antes da epidemia de 1854, Londres já havia visto o cólera dizimar um número bem maior de pessoas anteriormente, mas nunca em um espaço tão limitado e de modo tão rápido. Enquanto resgata a história do médico John Snow (1813-1858) e do padre Henry Whitehead (1825-1896), o livro constrói um panorama da capital inglesa daquela época – uma metrópole fétida onde, pela falta de um eficiente sistema de esgoto, as pessoas jogavam os dejetos pela janela.

Mas a principal luta desses dois homens foi travada contra a mentalidade da época. A idéia predominante entre as autoridades de saúde era a teoria do miasma, segundo a qual o cólera era adquirido pelo mau cheiro. Quando passou a defender que a doença era disseminada a partir do consumo de água contaminada, Snow foi tratado com descrença e até ironia por médicos e sanitaristas. Embora o médico tenha ido a campo entrevistar sobreviventes e dispor de estatísticas e mapas que comprovassem a veracidade de sua teoria, ela só foi totalmente aceita depois de sua morte.

Paralelo com a informática
O problema da epidemia foi solucionado quando Snow e Whitehead cruzaram dados a respeito das vitimas. Steven Johnson compara a operação de ambos à dos programas de computador que realizam o cruzamento de dados para gerar novas informações. A analogia do autor com o universo da informática não é aleatória: Johnson é um dos mais conceituados estudiosos da web e do ciberespaço, à frente da revista cultural eletrônica Feed.

A resposta está no cérebro 
O mapa fantasma não é o único lançamento de Steven Johnson no Brasil neste início de ano. O norte-americano, autor de diversos livros de divulgação científica, como Emergência e Cultura da interface, também chega às livrarias com De cabeça aberta, em que explora a personalidade humana a partir da neurociência. O autor descreve o funcionamento do cérebro humano, suas estruturas e a ação de substâncias químicas, e como isso afeta a nossa vida cotidiana. Para escrever o livro, Johnson se submeteu a testes de atenção, passou por um exame ressonância magnética e até controlou um videogame por meio de suas ondas cerebrais. Seu relato quase autobiográfico propõe uma forma diferente de nos conhecermos – sem ajuda de terapia, mas sim, da neurociência.

Mais do que simplesmente explicar a forma de contágio de uma doença, os trabalhos de Snow e Whitehead contribuíram para mudar de forma drástica o saneamento das grandes cidades. A água potável e o esgoto passaram a ser devidamente separados, e os projetos urbanísticos começaram a levar em conta a saúde da população. A ameaça de uma epidemia deixou de ser constante na vida das metrópoles mais ricas e deu lugar a outros temores.

O livro lança um olhar científico sobre um importante período histórico. Johnson explica, em linguagem simples, a ação da bactéria causadora do cólera sobre o organismo humano, a importância da reciclagem para os ecossistemas e o processo de investigação de Snow. Trata-se de uma obra envolvente, capaz de prender a atenção tanto de interessados por ciência quanto por história.

O mapa fantasma – como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles
Steven Johnson (trad.: Sérgio Lopes)
Rio de Janeiro, 2008, Jorge Zahar Editor 276 páginas – R$ 39,90
Tel.: (21) 2108-0808 / 2108-0809 De cabeça aberta – conhecendo o cérebro para entender a personalidade humana
Steven Johnson (trad.: Diego Alfavaro)
Rio de Janeiro, 2008, Jorge Zahar Editor
224 páginas – R$ 39,90
Tel.: (21) 2108-0808 / 2108-0809
Igor Waltz
Ciência Hoje On-line
03/03/2008