Bico, para que te quero?

O bico do tucano, responsável por um terço do seu tamanho, é o maior dentre todas as espécies de aves. Cientistas já haviam constatado que ele é usado para funções como descascar frutas ou atrair companheiros. Agora, três pesquisadores acabam de identificar uma nova função para essa estrutura: auxiliar na regulação da temperatura corporal da ave.

A conclusão foi feita em um estudo realizado com a maior e mais emblemática das espécies de tucano: o tucano-toco (Ramphastos toco). Os pesquisadores constataram que, quando comparado à dimensão total da ave, o bico dessa espécie constitui a maior estrutura corporal destinada à troca de calor com o meio externo de todo o reino animal. Com isso, ele supera outras estruturas de tamanho considerável conhecidas por atuar no controle térmico, como a orelha do elefante.

A novidade foi relatada em um artigo publicado na Science desta semana, assinado pelos biólogos Denis Andrade e Augusto Abe, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, e Glenn Tattersall, da Universidade de Brock, em Ontário (Canadá).

Clique na imagem para assistir ao vídeo que mostra tucanos filmados por uma câmera infravermelha, que permite a obtenção de registros detalhados da temperatura superficial dos animais (imagens: Glenn Tattersall).

Denis Andrade conta que a regulação térmica da ave estudada depende de uma irrigação sanguínea adequada. “Como o bico do tucano é bem vascularizado, é possível a realização da contração e dilatação desses vasos sanguíneos para regular a troca de calor”, explica o biólogo.

Ele acrescenta que, embora essa função possa não ser determinante para o tamanho do bico, ela certamente é favorecida pela superfície extensa dessa estrutura.

Câmera infravermelha
Para chegar a essa conclusão, os biólogos monitoraram várias partes do corpo de tucanos-toco com uma câmera infravermelha, que permite a obtenção de imagens detalhadas da temperatura superficial dos animais.

Eles observaram que a temperatura variou sutilmente em função da temperatura ambiente na parte lombar dos tucanos, coberta de penas, e permaneceu constante na região próxima aos olhos. Já no bico, as temperaturas foram mais variáveis e controladas de forma a regular a quantidade de calor que era perdida através de sua superfície.

“Quando a temperatura do ambiente cai, ocorre um processo de contração dos vasos sanguíneos presentes no bico, o que impede a perda de calor”, explica Denis Andrade. “Já em temperaturas mais elevadas, o processo é contrário. Os vasos se dilatam e permitem a perda de calor.”

Nos tucanos jovens, o mecanismo de regulação térmica não é muito eficiente, pois o bico ainda está em processo de crescimento, o que faz com que haja necessidade de circulação sanguínea na região (foto: Thiago Filadelpho).

As mudanças térmicas na superfície do bico são rápidas e acontecem também durante o voo e outras atividades. Nessa situação, a produção metabólica de calor é maior. O bico, então, fica mais quente e o calor produzido pelo corpo durante o exercício é dissipado através dele.

Já enquanto se prepara para dormir, o tucano usa o bico para perder calor, uma vez que a temperatura corporal é reduzida durante o sono.

O próximo passo da pesquisa é investigar se esse mecanismo de controle da temperatura corpórea também ocorre em outras espécies de aves. “Suspeitamos que o bico tenha essa função na maioria das aves”, afirma Andrade. “No caso do tucano, porém, ela se torna mais relevante devido ao enorme tamanho do bico.”  


Júlia Faria
Ciência Hoje On-line
23/07/2009