Biotecnologia para a África

 

 Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…

[Trecho do poema ‘Vozes d’África’, de Castro Alves (1868)]

Família queniana em cena do filme Voices from Africa . Na camiseta do jovem, a inscrição ‘Biotecnologia para a África’ (fotos: Célio Yano).

Enquanto fazendeiros de várias partes do mundo se unem em protesto contra o uso da engenharia genética nas plantações, agricultores de diversas regiões da África lutam por acesso à biotecnologia. O filme Voices from Africa, produzido pelo Core ( Congress of Racial Equality

– Congresso da Igualdade Racial), apresenta uma comparação entre agricultores do Quênia, que se baseiam em plantios convencionais, e da África do Sul, onde os transgênicos já são amplamente cultivados.

 

No Quênia, 80% da população vive na zona rural e depende da agricultura para sobreviver. Devido às más condições de solo, ao clima seco da região e às pragas, muito pouco do que é produzido é efetivamente aproveitado. Roy Innis, presidente do Core, após conversar com pesquisadores, políticos e agricultores do país, afirma que a solução para diversos problemas, como fome e desnutrição, seria o emprego de organismos geneticamente modificados (OGMs) para suportar a seca e os insetos.

 

Agricultores de vários outros países africanos teriam o mesmo posicionamento com relação à biotecnologia. “Temos que fazer o possível para garantir que agricultores africanos tenham acesso à nova tecnologia, que potencialmente pode melhorar sua qualidade de vida”, disse Innis. Enquanto os fazendeiros aguardam a chegada da biotecnologia ao seu país, a população queniana consome milho transgênico importado da África do Sul.

 

Na África do Sul, milho, soja e algodão alterados geneticamente são cultivados em uma área de 500 mil hectares. Agricultores sul-africanos testemunham a chegada da biotecnologia como a maior revolução na agricultura nos últimos tempos. Com maior aproveitamento de cultivos transgênicos, comparado ao que se obtinha com plantios tradicionais, eles mostram que é possível desfrutar de bens como carro, televisão e geladeira. “Agora podemos comprar comida e levar nossos filhos para a escola. Minha vida mudou e, como se pode ver, minha mulher está mais gorda”, conta um agricultor. Nos créditos finais, a equipe de produção do filme agradece o apoio da Monsanto, maior produtor mundial de sementes geneticamente modificadas.

 

Nos créditos finais do filme Voices from Africa , agradecimento ao apoio da Monsanto.

Após a exibição do curta, ocorrida paralelamente às atividade oficiais da 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3), o botânico suíço Klauss Ammann, fundador da ONG Africa Harvest Foundation

, afirmou que os agricultores familiares da África, como os de outros continentes, têm direito ao acesso à biotecnologia.

 

O diretor de relações internacionais do Core, Cyril Boynes Jr., disse, concordando com Ammann, acreditar que o uso de biotecnologia nas plantações seria uma saída para a fome, um dos maiores problemas em vários países africanos. Dados apresentados sobre o cultivo de transgênicos em todo o mundo mostraram que a África, o continente que mais sofre com pobreza e escassez de alimentos, é justamente o que menos tem acesso a OGMs.

 

Ammann substituiu o biotecnólogo Jesse Simiyu Machuka, 42 anos, da Kenyatta University, de Nairóbi, Quênia, que comentaria o filme após sua exibição. No dia da apresentação, 16 de março, Machuka sofreu um enfarte que mobilizou o corpo médico da MOP3 e não pôde comparecer ao evento paralelo.

 

 

 

Célio Yano

 

Especial para a CH On-line / PR

21/03/2006