Brasil vive genocídio de jovens pobres e negros

Os 45 mil homicídios dolosos (com intenção de matar) praticados por ano no país apontam para uma concentração no perfil das vítimas: são, em sua maioria, jovens pobres e negros, moradores de favelas e periferias não só das grandes cidades, mas de todo o país.

Trata-se, segundo o antropólogo Luiz Eduardo Soares, de uma manifestação clara da desigualdade presente no país, onde os mais pobres não têm acesso à justiça e sofrem, por exemplo, com a abordagem policial. “Isso soa como um discurso ‘dinossáurico’, dos anos 50, 60. Mas o Brasil é mesmo um país ‘dinossáurico’, que ainda convive com muita desigualdade”, disse.

Os dados apresentados em conferência sobre segurança pública proferida por Soares nesta quarta-feira, na Reunião Anual da SBPC em Belém, mostram que os homicídios no país atingem 27 vítimas a cada 100 mil habitantes, contra oito nos EUA, três na Europa e apenas uma no Japão.

A proporção dobra quando se avalia somente a população masculina (54 mortes por 100 mil habitantes), e sobe para 100 vítimas a cada 100 mil habitantes se o universo considerado é o de homens jovens, entre 15 e 24 anos. Quando o foco são algumas comunidades pobres do Rio de Janeiro, os números assustam ainda mais: 240 vítimas por 100 mil habitantes.

“Não digo que estamos em guerra, porque assumir isso pode legitimar a adoção de políticas públicas inadequadas, mas é preciso entender a gravidade da situação”, diz.

Ele alerta para a quantidade de crimes perpetrados pelo Estado, seja por descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, pela implementação inadequada de penas e, principalmente, pela brutalidade policial letal. Foram mais de 4.300 mortes em ações policiais no Estado do Rjio de Janeiro entre 2003 e 2006, das quais 65% com sinais claros de execução.

Mas o secretário de Nova Iguaçu alerta: não se pode culpar individualmente os policiais, nem considerar as ações como comportamentos desviados. “Observa-se um padrão regular, que reflete uma política institucional. Por exemplo, desde 1995 as unidades policiais do Rio de Janeiro deixaram de aceitar a rendição em suas operações”, explicou.

Para reverter, ou pelo menos minimizar, este quadro, o antropólogo sugere a adoção de políticas multidimensionais, com a articulação de redes de proteção à criança e à família, com a participação conjunta de professores, agentes de saúde e da justiça. “Este pode ser um começo. Estou certo de que ações menores, mais modestas, podem fazer a diferença neste caso”, avaliou Soares.

Para ele, a SBPC pode contribuir de modo importante na constituição de um consenso na comunidade científica para o tratamento dessas questões. “Estar aqui para discutir o tema é importante, mas é preciso que a comunidade científica pense de modo mais efetivo a questão”.

Daniela Oliveira
JC E-mail
12/07/2007