Brasileiros buscam novas pistas sobre origem da vida

Concepção artística da Nasa representa a Terra há cerca de 4 bilhões de anos, antes do surgimento da vida.

A origem da vida na Terra é uma das grandes questões em aberto da ciência. Uma das hipóteses postula que as moléculas biológicas capazes de auto-replicação (RNA e DNA) teriam se formado a partir de reações entre seus principais componentes, presentes na “sopa primordial” que banhava o planeta há cerca de 4 bilhões de anos. Um estudo de pesquisadores brasileiros pode ajudar a reforçar essa hipótese: o químico Ricardo de Carvalho Ferreira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ao lado de Frederico Pontes e Benício de Barros Neto, está buscando no RNA de seres vivos atuais pistas sobre a origem dessas estruturas biológicas. Após apresentar uma conferência na Reunião Anual da SBPC em 20 de julho, Ferreira falou sobre os estudos de sua equipe em entrevista à CH On-line , concedida ao lado de Frederico Pontes.
 
O estudo da sua equipe pretende reforçar qual hipótese para o surgimento do RNA?
O que estamos tentando mostrar é que as moléculas de DNA e RNA presentes nas estruturas vivas tiveram sua origem em reações puramente químicas. A partir delas é que se construíram as primeiras estruturas biológicas. Tentamos demonstrar que o material produzido na fase que chamamos de pré-biótica tem uma relação química com o RNA atual.
 
De que maneira é possível mostrar isso?
Usamos um modelo construído a partir da cinética química, que é a parte da química que trata da velocidade das reações químicas. Seguindo conceitos estabelecidos da cinética química, podemos calcular a velocidade de formação de moléculas conhecidas como oligômeros. Cada uma delas tem uma ordem em que aparecem as quatro bases nitrogenadas que compõem a molécula de RNA (C, G, A e U). O que fazemos é comparar dados sobre essas moléculas obtidos a partir das equações do modelo teórico com as seqüências existentes em trechos das moléculas reais de RNA de seres vivos atuais. Para isso, selecionamos dez grandes proteínas, e investigamos cada uma delas em cerca de vinte organismos, de protozoários e bactérias ao Homo sapiens , passando por plantas e animais invertebrados.
 
Que parâmetros o modelo teórico levou em conta?
Ele foi estabelecido a partir de equações da cinética química. Tivemos que dar valores numéricos a uma constante – estimados, por exemplo, a partir de características da ligação química entre as moléculas C-G e A-U, por exemplo. Mas não conhecemos muitas variáveis que influem na cinética química, como a temperatura, a salinidade e acidez dos mares da época em que se formaram as primeiras moléculas de RNA. Não sabemos também se havia íons de cálcio ou magnésio, que poderiam influenciar a velocidade das reações.
 

Ricardo Ferreira e Frederico Pontes durante a Reunião Anual da SBPC.

O que indicam os resultados já obtidos?

Os resultados com bactérias são especialmente bons: nos trechos de RNA desses microrganismos, observamos que a quantidade de seqüências contendo C e G estão bastante altas, bem concordantes com o modelo. Por se tratar de organismos mais “antigos”, os resultados foram bem próximos do modelo teórico. Já nas proteínas do Homo sapiens , que é um ser vivo mais recente, a concordância com o modelo já não foi tão boa como esperávamos: a quantidade das seqüências contendo C e G é menor.
 
O que explica esses resultados melhores obtidos com bactérias?
A idéia é que, se realmente o RNA foi produzido na Terra em condições puramente químicas, devemos encontrar uma maior afinidade entre os resultados do modelo e do RNA de organismos mais “velhos”, como bactérias e arqueobactérias. Pretendemos fazer uma análise estatística dos resultados encontrados para as diferentes espécies para ver se realmente existe um afastamento gradual da seqüência dada pelo modelo à medida que o organismo vai se tornando mais complexo.
 
O que é preciso fazer para se obter resultados mais conclusivos?

Para uma resposta mais convincente sobre a correção do modelo, precisamos pegar um número maior de espécies e fazer uma análise estatística que permita afirmar que as proteínas das espécies mais “antigas” têm seqüências C-G mais ricas, como ocorre num mecanismo de evolução puramente químico, e que, nas espécies mais “recentes”, a quantidade de A-U é maior, o que evidenciaria um mecanismo biológico – e não químico – de evolução. 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
20/07/05