Caminho virtual

Um projeto de professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pode acabar com a dicotomia entre dois universos aparentemente inconciliáveis: estudo e jogos de computador. O Estrada Real Virtual mescla características dos games de aventura com informações sobre a cultura, aspectos geográficos e patrimônio histórico de cidades que integram a Estrada Real. Desenvolvido por pesquisadores ligados ao Centro de Novas Mídias da universidade, com verba  da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), por meio do edital de jogos didáticos, o produto poderá ser usado como recurso didático nas escolas mineiras.

Vale lembrar, como curiosidade: o trajeto da Estrada Real inclui 177 municípios, dos quais 162 são mineiros, oito, fluminenses e sete, paulistas. A rota tem mais de 1.600 quilômetros de extensão e corresponde ao caminho pelo qual o ouro e as pedras preciosas extraídos em Minas Gerais eram levados até o litoral do Rio de Janeiro, nos séculos 17 e 18, de onde partiam para Portugal.

Três cidades de MG foram escolhidas pelo projeto: Diamantina, Ouro Preto e Tiradentes.

Três cidades de Minas Gerais foram escolhidas pelos responsáveis pelo projeto para serem retratadas no jogo, devido à sua importância histórica para o ciclo da mineração durante o Brasil Colônia. Diamantina, Ouro Preto e Tiradentes são os locais onde a protagonista do game, Bárbara Rolim, uma “Lara Croft nerd” de 22 anos, enfrenta desafios para encontrar seu pai, José Gonzaga Rolim,  secretário de Cultura de Ouro Preto, que desapareceu no dia 21 de abril, data em que se comemora o feriado de Tiradentes.

Ao longo das fases, Bárbara acaba descobrindo que não apenas a vida do seu pai está em risco, mas também a de milhares de pessoas. Para chegar até seu pai, Babi, apelido dado pelos produtores do jogo à protagonista, deve aprender sobre as tradições, o folclore e a natureza locais, além de desvendar enigmas e encontrar as pistas que a levarão a solucionar o mistério.

 

Assista ao vídeo abaixo do jogo Estrada Real Virtual:

 

Para reproduzir as cidades no jogo, os pesquisadores foram aos locais para tirar fotos e conversar com os moradores, a fim de mapear as lendas e descobrir coisas que não se encontram nos livros. O material recolhido foi a base para a modelagem do cenário do game, feito em formato 3D. Entre pesquisas sobre a história das cidades e sobre os jogos de aventura, definição da tecnologia adequada para o desenvolvimento do software, elaboração de roteiro e das características dos personagens, além da finalização, a equipe de 13 pessoas trabalhou intensamente por mais de um ano. 

Aprendizado

Segundo um dos coordenadores do projeto, o professor do Departamento de Ciências da Computação da UFMG, Luiz Chaimowicz, o jogo oferece a possibilidade de que os estudantes aprendam sobre a cultura e o meio ambiente dessas cidades enquanto se divertem. “O jogo envolve várias lições de história e geografia, além de falar sobre a cultura imaterial e o ecossistema de parte de Minas”, diz.

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Igreja em Tiradentes faz parte da paisagem do jogo, que conta ainda com cidades fluminenses e paulistas (foto: Equipe do Estrada Real Digital).

 

O jogo, concebido para alunos que cursem da 6ª à 9ª série do ciclo básico (antigo ensino fundamental), traz informações sobre monumentos, personagens e locais históricos integradas à própria narrativa. Dessa forma, o game poderia ser didático, sem perder o dinamismo.

Para prosseguir na trama, a personagem deve repetir os passos do congado.

De acordo com Regina Helena da Silva, também coordenadora do projeto e professora do Departamento de História da UFMG, fornecer um volume grande de dados poderia interromper o fluxo do jogo e desinteressar os alunos. A saída encontrada pelos professores foi criar situações em que esses dados se fizessem necessários para avançar no game. Numa delas, por exemplo, Bárbara deve repetir os passos do congado, dança de caráter religioso e origem africana. Assim, ela consegue prosseguir na trama quando aprende sobre elementos culturais da região.

Teste

Além da harmonia entre as lições e o jogo, os coordenadores tiveram preocupação especial com o uso do game nas salas de aula e, por isso, criaram uma espécie de guia para orientar os professores. O Livro do professor contém instruções de como aproveitar o jogo para iniciar discussões ligadas às disciplinas e também possui referências bibliográficas.

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Em detalhe, os caminhos que o jogador precisa percorrer. Museu, escola e praça fazem parte do cenário (foto: Equipe do Estrada Real Digital).

 

Segundo Regina, o livro tem o objetivo de qualificar a pesquisa do professor e permitir que ele promova debates que relacionem o presente daquelas cidades a seu passado. “Nosso desejo é tensionar a forma tradicional de ensino e quebrar essa ideia de que jogo não ensina”, afirma.

A julgar pelos testes feitos com estudantes do Centro Pedagógico da UFMG no final do ano passado, os esforços deram certo. De acordo com a psicóloga Sílvia Esteves, que participou das aplicações dos testes, as crianças foram bastante receptivas ao jogo. “Elas foram bastante colaborativos, apontaram falhas e sugeriram mudanças”, conta. 

Após os testes, os professores fizeram algumas reformulações no jogo e concluíram a versão definitiva no início deste ano. De acordo com Regina, há planos de inserir o game como atividade curricular nas escolas do estado e buscar financiamento para incluir novas cidades no jogo. “Se a gente conseguir a verba, poderia incluir Paraty no roteiro e aproveitar para ensinar sobre portos e ecossistema marinho”, disse.

Quem quiser conhecer o jogo e viver as aventuras de Bárbara pelas cidades da Estrada Real pode baixar o game, gratuitamente, no site do Centro de Novas Mídias da UFMG.

 

A Estrada Real e seus caminhos

O caminho que constitui a Estrada Real começou a ser aberto no século17 em função da necessidade do escoamento de ouro extraído em MinasGerais. Nessa época, a estrada ligava o povoado de Villa Rica, atualOuro Preto, ao porto de Paraty, no litoral do Rio de Janeiro. Maistarde, no século 18, a Coroa Portuguesa ordenou que uma via mais curtae segura fosse aberta. Assim, surgiu o “Caminho Novo”, que ligava OuroPreto diretamente ao Rio de Janeiro.

A descoberta de pedras preciosas, especialmente de diamantes, naregião, levou à criação de uma via que ligava Ouro Preto a Diamantina,o antigo Arraial do Tijuco, que ganhou o nome de “Caminho dosDiamantes”. As pedras eram levadas de Diamantina para Ouro Preto e, delá, seguiam a rota do “Caminho Novo”.

Com a decadência da mineração, em fins do século 18, a Estrada Real e seus caminhos foram, gradualmente, abandonados.

 

Desireé Antônio
Especial para CH On-line / MG