Células-tronco no paredão

Em ritmo de valsa, funk, blues e axé, visitantes do Museu da Vida, centro de ciência da Fiocruz, são convidados a debater e refletir sobre um assunto que gera muita polêmica no Brasil e em outros cantos do mundo: as células-tronco.

Essas células têm a capacidade de se dividir e originar tanto células idênticas a elas quanto outras mais especializadas. As células-tronco adultas, já utilizadas com sucesso em alguns tratamentos, podem dar origem a uma variedade limitada de células especializadas.

Já as células-tronco embrionárias, ainda sem aplicações clínicas no Brasil, têm a capacidade de originar todas as células do organismo: neurônio, célula do coração, do pulmão e do fígado, por exemplo.

Esse potencial gera muita expectativa no campo da medicina – deposita-se nas células-tronco embrionárias a esperança para a cura de diversas doenças degenerativas – mas, por outro lado, o uso de embriões humanos é condenado por aqueles que os consideram o início da vida.

O assunto é para lá de complexo, mas, em Comece o dia bem – uma paródia de programa matinal forjada no sarau do Museu da Vida –, é tratado com humor e descontração por apresentadores, debutantes, super-heróis, cantores e até por um cientista (de verdade), que topou participar da brincadeira, reconhecendo a importância de se divulgar melhor as pesquisas com células-tronco para a sociedade.

Daniela Cadilhe
O biólogo Daniel Veloso Cadilhe, do LaNCE/UFRJ, respondeu às dúvidas do público no “Sarau-científico: as células-tronco em cena”. (foto: Peter Ilicciev)

Comece o dia bem, dividido em vários blocos, cobriu a questão sob diversos ângulos, abordando desde os conceitos científicos relativos às células-tronco até as possibilidades de aplicação, passando por relatos de casos e pela regulamentação da pesquisa com esse tipo de célula no Brasil.

Para cada tópico, um ritmo

Entre os blocos do programa, os números musicais foram os que arrancaram mais risos da plateia. No baile de debutante, uma valsa – dançada por dois marmanjos de tiara e luvas – explicava o que são as células-tronco e desde quando são estudadas. 

Já o Funk da Lady (“Lady” de lei de biossegurança) resgatou marcos históricos da regulamentação das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil, que passou a ser permitida em 2005, com a aprovação da Lei de Biossegurança.

A lei foi contestada no mesmo ano, mas, em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em última instância, liberar o uso de embriões para fins terapêuticos. Essa trama, longa e cheia de percalços, foi entoada nas batidas do funk, para o gosto de ‘geral’:

Leticia Guimarães
A regulamentação das células-tronco no Brasil é tema do ‘Funk da Lady’ no sarau do Museu da Vida. (foto: Peter Ilicciev)

Eu sou a Lei de Biossegurança
Minha história é polêmica, vou te dizer, criança
Causei na religião, política e até na segurança.
Vou mandar a real, vou dizer qual é o ponto
Regulei a pesquisa com célula-tronco
Ih, difícil a situação ficou precária
Pesquisa com célula-tronco embrionária

Ária, áária pesquisa com célula-tronco embrionária (2x)   

[…]

STF: Olha pra mim, se liga aí biscoito
Lady: O debate esquentou em 2008.
STF: A lei de Biossegurança resolvi julgar
Lady: Tu me provoca e curte me questionar
STF: Te deu uma moral, eu vou te falar
embrião tá liberado pode pesquisar
Lady: Mandou muito supremo, tu é federal eu vou dizer
Tô emocionada e quero agradecer
STF: Diz aí!
Lady: Agora eu pesquiso com embrião e ninguém vai me segurar… Daquele jeito!
Vai célula-tronco! (2x) Ai!

O blues das pesquisas, conduzido por um casal em conflito, citou diversas doenças que pesquisadores pretendem tratar com as células-tronco embrionárias – Alzheimer e Parkinson, por exemplo – e algumas que já vêm sendo tratadas com o uso de células-tronco adultas – como degeneração ocular e leucemia.

Para completar o baile de ecletismo musical, um axé, puxado com ajuda da plateia, sintetizou o debate com as células-tronco e mencionou os países que realizam pesquisas com essas células:

Em quais países a célula-tronco eu posso pesquisar
Inglaterra, Austrália, China, Japão, Holanda e Canadá
Diga aí outros países, compadre Miguel
Brasil, Cingapura, França, Rússia e Israel.
(fala) Tem pesquisa na Alemanha e na África do Sul

Oi pega a célula, bota a célula, injeta a célula pra experimentar
Ôh, lá lá

Papo cabeça

Entre um hit e outro, o público aproveitava para dar sua opinião sobre o tema e fazer perguntas para o biólogo Daniel Veloso Cadilhe, do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LanCE), sediado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Questões sobre os benefícios das pesquisas com células-tronco, os riscos e efeitos colaterais dos tratamentos com essas células e a importância de se guardar o cordão umbilical dos bebês, ricos em células-tronco, foram discutidas pelo especialista a pedido do público. 

Público sarau células-tronco
O público do sarau, formado basicamente por jovens, pôde opinar, questionar e tirar dúvidas sobre as células-tronco durante o programa ‘Comece o dia bem’. (foto: Peter Ilicciev)

O programa foi entremeado também por casos da vida real envolvendo as famosas células-tronco. O mais comovente foi o de Daniela Bortman, estudante de medicina e filha de neurologista, narrado em um vídeo do Globo Repórter.

Em 2006, Daniela saiu tetraplégica de um acidente de carro. Dois anos depois, diante de inúmeras promessas vindas de médicos chineses de devolver movimentos para pessoas em cadeiras de rodas, Daniela foi com a família e 40 mil dólares para a China fazer um tratamento com células-tronco retiradas de fetos abortados (na China, o aborto não é proibido).

Para resumir a história: passados outros dois anos, um complicado pós-operatório, algumas pequenas melhoras e menos 40 mil dólares, Daniela continua sentada em uma cadeira de rodas.

O biólogo Daniel Cadilhe comentou o caso e alertou o público sobre as falsas promessas de terapias eficazes com células-tronco – feitas sobretudo por pesquisadores e médicos chineses.

Segundo Cadilhe, as pesquisas com células-tronco embrionárias ainda são recentes e as aplicações terapêuticas seguras com esse tipo de célula ainda podem demorar a surgir. No Brasil, explicou o biólogo, ainda não há testes clínicos com células-tronco embrionárias.

O público quis saber se é certo se cobrar por um tratamento que ainda é experimental, como no caso de Daniela. A resposta, obviamente, foi: de forma alguma! Isso vai totalmente contra a ética científica e médica.

O sarau sobre células-tronco, realizado no dia 29 de janeiro no Museu da Vida/Fiocruz, é o segundo do projeto Saraus científicos, desenvolvido pelo museu e financiado pela Wellcome Trust – instituição britânica de caridade dedicada ao financiamento de pesquisas na área da saúde. O objetivo é oferecer atividades culturais e científicas ao público jovem, criando oportunidades para se discutir o impacto da ciência na sociedade e questões polêmicas como transgênicos, células-tronco e outras. O tema do próximo sarau, ainda sem data marcada, deve ser experimentação animal. Fique ligado!

 

Carla Almeida
Ciência Hoje On-line