Cidade sem carros é possível

Imagine a vida em uma metrópole livre do barulho, da poluição e de todas as dificuldades de se mover por ruas dominadas por carros, ônibus e caminhões. Todas as necessidades básicas, de supermercados a farmácias, estariam a cinco minutos a pé da porta de sua casa. A viagem para o trabalho seria feita em um serviço de transporte público barato, rápido, seguro e confortável e duraria no máximo 35 minutos. Essa é parte da visão de futuro descrita pelo sociólogo e urbanista holandês J.H. Crawford em seu site Carfree cities (‘cidades livres de carros’ em inglês).

Inspirado em Veneza, o urbanista J.H. Crawford concebeu uma cidade
ideal para suprir três necessidades principais: alta qualidade de vida,
eficácia no uso das fontes de energia e rápida circulação de pessoas

A proposta de Crawford é simples, porém ousada: banir o uso de automóveis em áreas urbanas e (re) construir cidades em função disso. “As nações industrializadas cometeram um terrível erro ao adotar o carro como principal meio de locomoção nos meios urbanos”, disse Crawford à CH On-line . “O automóvel trouxe para as cidades sérios problemas ambientais, sociais e estéticos.”

Crawford projetou uma cidade modelo sem carros, constituída por 100 bairros circulares, com ruas estreitas que se dirigem para a via central de transporte.

Os bairros da cidade sem carros são dispostos na forma de um trevo de 6 folhas
(à dir., uma das ’folhas’ em destaque). Os 18 bairros mais distantes (em azul),
não-residenciais, são reservados para indústrias pesadas e estacionamentos

Com base no contorno da cidade, o transporte principal seria o metrô, que teria apenas três linhas, cada uma com início em três das seis ‘folhas’, passagem pelo centro e final nas outras três. O metrô funcionaria 24 horas por dia, com intervalos de somente quatro minutos entre os trens. Dois pontos da cidade estariam assim separados por no máximo 35 minutos. Entre os bairros, as viagens de curta distância poderiam ser feitas a pé (durariam não mais que 10 minutos) ou de bicicleta (cinco minutos). No caso de emergências médicas, policiais e de incêndio, o uso de veículos poderia ser cogitado.

O comércio e indústrias leves poderiam ser fixados em áreas residenciais, como nas cidades convencionais, e as ruas deveriam estar sempre guardadas pela polícia. “Isso ajudaria a reduzir a ocorrência de crimes, pois quase todas as regiões da cidade estariam ocupadas durante todo o dia”, afirma Crawford. Pequenas praças na interseção da maioria das ruas, somadas a um ideal de 80% de áreas verdes em toda a cidade, criariam um clima de boa vizinhança. “Como as pessoas teriam mais contato umas com as outras, elas conversariam mais e deixariam o individualismo de lado”, diz o urbanista.

Com 760 m de diâmetro, cada bairro abrigará 12 mil pessoas. O projeto inicial é de uma cidade com 1,2 milhão de habitantes, mas pode ser adaptado para populações entre 300 mil e 3 milhões

“Se nações desenvolvidas mostrarem o melhor exemplo e abandonarem o uso dos carros nas cidades, é possível que o resto do mundo pare de usá-los em nome do progresso e da modernidade”, ressalta Crawford. O holandês não imagina que o carro vá desaparecer, mas acredita que, com o fim iminente do petróleo, seja necessário encontrar novas fontes de energia para permitir a operação de veículos apenas fora das cidades.

O site Carfree cities complementa o livro homônimo de Crawford, ainda sem tradução para o português. “Cidades livres de carros se tornarão a norma no final do século 21, devido aos contrastes de energia”, prevê. “Precisamos começar a nos preparar para as mudanças e essa é uma oportunidade de construir um ambiente urbano ‘superior’ nunca antes conhecido.”

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
04/05/04