Ciência em cena

Quando Bernardo bateu à porta do núcleo de teatro de seu colégio procurando uma vaga como ator, nem percebeu que a plaquinha na entrada trazia a palavra ‘científico’ no final. O aluno de ensino médio queria apenas experimentar as artes cênicas oferecidas como atividade extraclasse e acabou descobrindo que teatro e ciência podem formar uma combinação perfeita.

O objetivo do Núcleo de Teatro Científico (Nutec), criado pelo professor de física Márcio Medina no colégio QI de Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, era esse mesmo. Divulgar a ciência entre jovens de maneira espontânea e não forçada.

“A primeira vez que eu fui à sala de teatro, pensei apenas que íamos fazer uma peça e achei muito maneiro”, conta o estudante Bernardo Baumann. “Só depois eu vi que a peça tinha esse lado incomum, o lado da ciência. E isso despertou em mim o interesse em aprender e saber mais sobre esse assunto.”

Desde 2007, todos os anos, alunos de ensino médio interessados em participar da atividade produzem, ensaiam e apresentam peças com temas ligados à ciência e sua história. A primeira peça encenada pelo grupo foi A vida de Galileu, do dramaturgo alemão Bertold Brecht, que conta a história do astrônomo italiano e discute a relação entre cientista e sociedade.

Todas as peças problematizam a relação da ciência com a sociedade e expõem o lado humano do cientista

Depois dessa, os adolescentes já apresentaram uma adaptação de Frankenstein feita por David Hermann; Oxigênio, do pai da pílula anticoncepcional Carl Djerassi e do ganhador do prêmio Nobel de química Roald Hoffmann; e O inimigo invisível, peça escrita pelos professores Medina e Gastão Galvão sobre o método científico e a medicina.

Todas as peças problematizam a relação da ciência com a sociedade e expõem o lado humano do cientista. Em Frankenstein, por exemplo, foram inseridas cenas que mostram o processo de criação da obra original pela escritora Mary Shelley. Nessas inserções, a escritora aparece discutindo questões filosóficas, como os limites da ciência e a relação entre criador e criatura, com o marido Percey Shelley e o amigo Lord Byron.

Cena de Frankenstein
Cena da montagem de ‘Frankenstein’ feita pelo grupo do Núcleo de Teatro Científico do colégio QI. (foto: reprodução)

“As peças são a menor distância entre a ciência e os alunos, são uma atividade prazerosa, que faz com que eles comecem a perceber que a ciência vai além de fórmulas matemáticas e nomes complicados”, comenta Medina. “O teatro passou a ser um catalisador do processo de alfabetização científica do aluno. Eles começam a ver que a ciência está sendo construída o tempo inteiro e é feita por gente.”

Apesar de todos serem amadores, os espetáculos buscam ter aparência profissional. Tanto que o grupo de teatro levou os prêmios de melhor figurino e cenário por dois anos consecutivos no Festival Intercolegial de Teatro do Colégio Notre Dame e também de melhor espetáculo adulto na última edição do evento. Os ensaios acontecem fora do horário de aula com o diretor teatral Cleiton Rasga e são levados a sério pelos alunos.

“O mais interessante é ver o olhar de surpresa dos pais e professores durante as apresentações, porque a expectativa de todos é assistir a um ‘teatro de escola’ e o que veem são espetáculos com qualidade profissional”, diz Rasga.

Do palco para a sala de aula

Medina conta que a ideia de criar o projeto surgiu em sala de aula a partir de uma atividade proposta para uma turma bagunceira. O professor pediu que os alunos formassem grupos para apresentar seminários sobre a revolução científica do século 17 e um dos grupos propôs fazer uma peça de teatro. Desde então, os espetáculos não pararam.

O professor explica que, apesar de a atividade ser opcional e extracurricular, os temas relacionados às peças ganham espaço também na sala de aula e são discutidos durante as classes de filosofia.

“O debate acontece nessas aulas, durante os ensaios e nos corredores”, diz Medina. “A gente também compartilha conteúdo nas redes sociais. Os alunos não se contentam só em receber, eles compartilham comigo, percebem que o conhecimento não é só do professor para o aluno, mas é para todos.”

Confira cenas do Núcleo de Teatro Científico do QI e entrevistas com os participantes

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Entre os alunos e ex-alunos que participam do núcleo, há aqueles que querem seguir carreiras nas áreas de ciências humanas e sociais e outros que aspiram profissões das exatas. A proposta pedagógica do projeto visa a essa integração.

“O teatro diminui a separação entre humanas e exatas; quem tem pendão maior para humanas começa a se interessar pelo projeto por causa do teatro, mas acaba se interessando também pela informação científica”, comenta o diretor da escola, o físico Gerson Costamilan.

Costamilan: “O teatro diminui a separação entre humanas e exatas”

O ex-aluno Igor Kelvin é um exemplo dessa harmonia. Cursa faculdade de engenharia, mas não largou o teatro e continua ensaiando com o grupo.

“O teatro é uma espécie de válvula de escape para mim, que todos os dias estudo fórmulas e gráficos”, diz o estudante. “Mas o mais legal do nosso núcleo de teatro é que nossas peças não são teatrinho escolar comum, a gente dá uma verdadeira aula no palco e as pessoas saem do espetáculo aprendendo coisas novas e discutindo entre si. Poder transmitir conceitos tão complicados para o público através do teatro é muito bom.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
A peça O inimigo invisível, sobre o método científico e a medicina, foi escrita pelos professores Márcio Medina e Gastão Galvão, e não apenas pelo primeiro como havíamos informado. (12/04/2013)