O que acontece quando cientistas e programadores de jogos são trancados em uma sala por dois dias? A criação de jogos interessantes e cientificamente corretos, é claro! Foi mais ou menos essa a experiência que a Wellcome Trust promoveu com o projeto ‘Gamify your PhD’. Por meio da iniciativa, convocou doutores de todo o Reino Unido a enviar ideias de como transformar suas pesquisas em jogos. Os donos das melhores propostas participaram de um evento de dois dias com desenvolvedores para colocá-las em prática. Os resultados do encontro já estão disponíveis na internet.
O vencedor do desafio foi o jogo ‘Dysbiosis’, criado pela pesquisadora Margherita Coccia e pelos desenvolvedores Clockwork Cuckoo e Force of Habit. No estilo shoot’em up (atire em todos eles, em tradução livre), o jogo coloca o participante numa batalha imunológica ‘viciante’ pela saúde digestiva, em que precisa destruir as bactérias que tentam invadir o trato intestinal (clique para baixar).
Outros cinco jogos foram desenvolvidos no âmbito da iniciativa. Neles, o jogador pode participar da aventura da bactéria Campy pelo intestino de diferentes hospedeiros; orientar Pol, uma RNA Polimerase que precisa seguir padrões para realizar reações químicas, jogo que será lançado em breve para celulares; e até vivenciar o processo de recuperação de uma pessoa viciada em drogas, num estranho ambiente 3D.
Outro game – um tanto hermético – de gerenciamento de recursos permite acompanhar o crescimento da infecção de malária no organismo. Por fim, uma boa paródia da famosa série ‘Guitar hero’ desafia ainda o jogador a repetir sequências de teclas para extrair RNA de amostras.
Para estimular a imaginação dos pesquisadores, foi desenvolvido um guia interativo com minigames baseados em célebres estudos (um deles propõe, por exemplo, acertar maçãs na cabeça de Isaac Newton), além de uma curiosa ‘tabela periódica’ que organiza os elementos envolvidos no desenvolvimento de jogos. “O foco do projeto foi o próprio processo, observar pesquisadores em busca de outras maneiras de enxergar seus trabalhos”, explica o consultor de games da Wellcome Trust Tomas Rawlings.
Rawlings acredita que a ciência é parte integrante da cultura e tem muito a ganhar com essa aproximação. “Ciência e jogos têm muito em comum, tratam de conhecer as regras que governam um mundo e atingir objetivos por meio de experimentos orientados por tentativa e erro”, compara. “O maior desafio é desenvolver jogos que tenham a ciência como parte fundamental, intrínseca à experiência, à mecânica e à narrativa.”
Aqui na CH On-line, você pode conferir outra iniciativa curiosa que buscou traduzir pesquisas científicas em um formato bastante criativo. Também é possível conhecer outras experiências que utilizam jogos para falar de ciência.
Jogos, jogos e mais jogos
A Wellcome Trust vai realizar outro evento voltado à interação entre ciência e jogos no mês que vem. O ExPlay Games Jam contará com 120 entusiastas de games reunidos em Londres e Bristol, na Inglaterra, nos dias 5 e 6 de outubro. Eles trabalharão em equipes para criar jogos a partir de uma temática biomédica surpresa, que será detalhada por cientistas durante o evento.
As iniciativas integram um esforço mais amplo da Wellcome Trust, que tem desenvolvido diversos jogos baseados em questões científicas. Alguns complementam exposições, como os ótimos ‘Axon‘, sobre neurociência, e ‘High Tea‘, que aborda a Guerra do Ópio do século 19.
Outros estão relacionados a projetos específicos sobre temas diversos, como genética, ou são frutos de iniciativas mais pontuais, como o divertido game que retrata a corrida de um espermatozoide em direção ao útero.
Mesmo na bilionária indústria dos jogos comerciais, há exemplos de bons usos dos conceitos científicos, como destaca Rawlings. “Alguns deles, como a série ‘Deus Ex‘, chegam a ter consultores científicos, assim como muitos dos filmes produzidos em Hollywood”, afirma.
Ele cita ainda jogos como ‘Call of Cthulhu‘ e ‘Crysis‘, que abordam temas biológicos e tecnológicos; ‘Portal‘, que explora as leis da física; e o jogo de tiro ‘Brink‘, que tem o aquecimento global como pano de fundo.
Banco Imobiliário sócio-político
Outra abordagem inovadora para a aproximação entre ciência e jogos envolve o famoso ‘Banco Imobiliário’ (‘Monopoly’, em inglês). Desenvolvida por Marie Friberger, da Universidade de Malmö, na Suécia, e por Julian Togelius, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, o ‘Open Data Monopoly’ é capaz de gerar tabuleiros customizados com base em indicadores socioeconômicos – no caso, do Reino Unido.
A ideia do que os pesquisadores chamam de data games (algo como ‘jogo de indicadores’) é apresentar novas formas interativas de visualizar e analisar a quantidade crescente de dados socioeconômicos disponíveis em diversas fontes.
No caso do ‘Open Data Monopoly’, os tabuleiros são gerados por um algoritmo no qual os próprios jogadores escolhem quais indicadores serão utilizados (e qual o peso de cada um) para determinar o grau de ‘prosperidade’ de cada rua/localidade. O cálculo é utilizado para definir e ordenar aquelas que farão parte do jogo.
Diferentemente de outros jogos ‘sérios’, como os educativos, esse tipo de jogo não teria um objetivo pré-definido. “A ideia é estimular a exploração da informação sem restrições; os jogadores podem escolher os dados que preferem usar e quais aspectos deles são mais interessantes”, afirmam os autores no artigo que descreve a pesquisa.
“Além de jogar em um tabuleiro criado por eles mesmos, a própria elaboração do jogo pode dar uma noção das diferentes maneiras com que cada comunidade utiliza os diferentes indicadores.”
Desenvolvido com base em dados fornecidos pelo governo britânico, os pesquisadores avaliam que o próximo passo deverá ser a adaptação do jogo para a internet – o que ajudará a coletar dados sobre como as pessoas vão usar o programa.
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line