Ciência em pauta

Há 65 anos, cientistas de todo o país se reúnem anualmente para divulgar ao público e à imprensa a ciência feita no Brasil na Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Neste ano, dentro da chamada programação científica do evento, também há espaço para um debate metalinguístico. Jornalistas que escrevem sobre ciência, especializados ou não, se reuniram em mesas-redondas para falar sobre a própria maneira de divulgar os temas científicos.

Nos jornais sem editoria de ciência, o desafio é fazer uma cobertura de qualidade que chame a atenção do leitor em meio às demais notícias que disputam espaço no papel

Entre os profissionais de jornais locais sem editorias específicas para o tema, o desafio é fazer uma cobertura de qualidade que chame a atenção do leitor em meio às demais notícias que disputam espaço no papel. O Jornal do Commercio, de Recife, é um dos meios de comunicação que enfrenta esse obstáculo diário.

O veículo foi um dos primeiros do país e o primeiro do Nordeste a ter uma página diária específica para ciência, lançada em 1989. Apesar disso, a seção de ciência virou uma subeditoria e hoje fica dentro do caderno de cidades. O responsável pela seção, o jornalista Ricardo Novelino, editor de cidades, acredita que o segredo para que a cobertura de ciência não fique perdida em meio às demais notícias é integrá-la ao cotidiano do leitor. “Precisamos trazer para o leitor algo que seja atrativo, mas que não seja ‘palavrão’, porque se ele encontra palavras específicas de ciência que não entende, ele para de ler”, diz. “A ciência pode estar em temas cotidianos como transporte, alimentação e economia.”

A jornalista Cristina Andrade, do jornal Estado de Minas, vive situação semelhante e conta que, no seu veículo, a ciência não tem editoria nem espaço fixo. Existe uma página de ciência e saúde, mas ela é feita por repórteres de diferentes editorias e aparece nos mais variados cadernos, de política a economia. “Não temos uma editoria estruturada, mas garantimos pelo menos uma matéria de ciência por mês ao distribuir pautas de ciência para repórteres que não são especializados.”

Mesa-redonda sobre cobertura de ciência na imprensa
Da esquerda para a direita, os jornalistas Luis Nassif, Cristina Andrade, Thais Naldoni e Ricardo Novelino apresentaram suas impressões sobre o presente e o futuro da cobertura de temas científicos pela imprensa. (foto: Sofia Moutinho)

Nos últimos anos, jornais de todo o país e do mundo tiveram suas editorias de ciência reduzidas em quantidade de páginas e pessoal. Alguns, como o argentino La Nación, chegaram a ter a seção de ciência extinta.

Seja essa uma tendência a ser concretizada ou não, Novelino, do Jornal do Commercio, defende que o futuro do jornalismo de ciência na mídia não especializada é a integração total às demais editorias. “Não dá para confinar a ciência e a tecnologia numa página só, temos que acabar com os rótulos”, afirma. “Ciência pode aparecer em qualquer outra editoria: uma pesquisa sobre contaminação de moluscos, por exemplo, é ciência, mas é também alimentação e cotidiano.”

Novos modelos

O jornalista e blogueiro Luis Nassif afirma que o modelo de cobertura dos jornais impressos está fadado ao fim e destaca o potencial da internet.

“Em geral, vira pauta o que é acessível ao leitor e o que é ligado a relações pessoais: a intriga, a crítica mal colocada, o escândalo. Esse foi um padrão jornalístico que se espalhou pelo país a partir de Rio e São Paulo e faz com que certos temas sejam notícia mesmo sem ter relevância”, diz. “Esse critério de escolha de pautas mostra o anacronismo que guiou a mídia nas últimas décadas. A ciência e a inovação nunca tiveram o acompanhamento necessário pela mídia por causa disso, mas são essenciais.”

Nassif: “A cobertura de ciência precisa fazer o acompanhamento sistemático de política científica e tecnológica, o que não vemos na mídia de modo geral”

Nassif espera por uma mudança não só nos critérios de seleção de pautas, como também na forma como o jornalismo é estruturado de maneira geral. “Esse padrão convencional de cobertura em que o jornalista tem uma dica de uma assessoria, vai atrás e escreve uma matéria isolada não vai dar mais conta da cobertura”, afirma. “Precisaremos de uma mudança de estrutura. A cobertura de ciência precisa fazer o acompanhamento sistemático de política científica e tecnológica, o que não vemos na mídia de modo geral.”

Para Nassif, o futuro do jornalismo, científico ou não, será aproveitar o espaço infinito da internet para fazer uma cobertura mais ampla e sistemática de certos temas.

“O jornalismo tradicional não acompanha a pauta depois que é noticiada, mas na internet é diferente, o jornalista pode e deve dar continuidade ao tema”, diz. “O jornalismo está migrando sua estrutura para a gestão do conhecimento, para coberturas com acompanhamentos sistemáticos. O jornalista tem que escolher um tema e planejar de quanto em quanto tempo vai escrever uma matéria que é uma atualização da anterior. Não há mais espaço para matéria solta como vemos hoje nos jornais.”

Ulisses Capozzoli, editor-chefe da revista especializada em ciência Scientific American Brasil, também vê a necessidade de novas maneiras, mais criativas, de fazer jornalismo científico. Para o jornalista, contudo, a boa cobertura da ciência depende antes de tudo da formação pessoal do repórter, que, segundo ele, deve ser ampla e perpassar tanto as ciências quanto as artes.

Ulisses Capozzoli
Para o jornalista Ulisses Capozzoli, conhecimento científico e uma formação sólida em humanidades são indispensáveis ao jornalista de ciência. (foto: Maria Eduarda Bione)

“Temos pela frente na ciência questões extremamente desafiadoras, como a clonagem humana e a vida extraterrestre; por isso, temos que nos preparar”, diz. “O jornalista científico tem que ter noções de ciência, saber da estrutura do átomo, da teoria de cordas, ter alguma ideia de cosmologia, da estrutura celular, mas deve também ter uma aposta segura na formação intelectual geral. Precisamos conhecer os clássicos da literatura, a ficção científica e ter uma formação sólida em história e filosofia da ciência. Só assim podemos ter um diálogo de alto nível e produtivo com o cientista.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

Veja a cobertura completa da 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e confira nossa galeria de fotos do evento.