Ciência: falar abertamente

Acesso aberto, compartilhamento de dados e protocolos, financiamento coletivo. Essas expressões significam alguma coisa para você? Para os leitores que trabalham em instituições de pesquisa, provavelmente sim. Nas últimas décadas, muito se tem discutido sobre o acesso a informações científicas, frequentemente ‘presas’ a publicações editadas por instituições privadas e que cobram caro por elas. O movimento pela democratização desse conhecimento, que convencionamos chamar ‘ciência aberta’, envolve não apenas o acesso gratuito a artigos e outras publicações, mas o estabelecimento de novas dinâmicas de produção do conhecimento. Essas questões são abordadas no livro Ciência aberta, questões abertas, organizado por Sarita Albagli, Maria Lucia Maciel e Alexandre Hannud Abdo.

Publicada em parceria pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) e pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), a obra reúne 12 artigos de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, de diferentes áreas do conhecimento, que refletem sobre e atuam no movimento pela ciência aberta e colaborativa. Resultante de evento homônimo realizado em 2014 no Rio de Janeiro, Ciência aberta, questões abertas discute como essa forma de pensar o conhecimento modifica as relações entre os cientistas e, também, dos cientistas com a sociedade.

Uma perspectiva histórica

Livro Ciência Aberta, Questões Abertas
Livro sobre ciência aberta está disponível para download gratuito (imagem: divulgação)

Para fazer ciência, é preciso ler ciência – ou seja, consultar artigos e outras publicações científicas da área em que se deseja produzir conhecimento. Com essas publicações quase sempre nas mãos de editores privados, chegar ao conhecimento pode custar caro, e foi este o ponto de partida do movimento pela ciência aberta: o acesso livre a publicações científicas. Com o tempo, outras questões começaram a ser debatidas, como inovações no próprio modo de fazer ciência e até nas formas de financiamento – note-se o surgimento dos mecanismos de crowdfunding e sua aplicação a projetos de pesquisa. Essa “cultura do compartilhamento”, como cita Albagli no capítulo de abertura do livro, é o que marca a ciência aberta.

“Tem-se demonstrado que, historicamente, é no compartilhamento e na abertura à produção coletiva e não individual que melhor se desenvolvem a criatividade e a inovatividade”, escreve a pesquisadora do Ibict. “A complexidade dos desafios científicos e a urgência das questões sociais e ambientais que se apresentam às ciências impõem, por sua vez, facilitar a colaboração e o compartilhamento de dados, informações e descobertas”.

Não existe ainda, no entanto, um consenso sobre a extensão, o significado ou mesmo o modus operandi desta nova forma de se encarar o conhecimento. Para alguns, trata-se de uma retomada do verdadeiro espírito da ciência – o fazer desinteressado, sem fins lucrativos –, para outros, é mais do que isso: reflete um novo modo de pensar a própria ciência, com consequências diretas para o fazer científico, suas instituições e sua relação com a sociedade. Difícil escolher uma opção correta, claro. Conforme avança no mundo, o movimento pela ciência aberta ganha novos contornos, abraça novas causas e segue na direção de seus novos adeptos. Hoje, não se trata apenas de livre acesso a artigos e livros publicados, mas também de dados científicos abertos, wikipesquisa, ciência cidadã, educação aberta. Em poucas palavras, não apenas a noção do que seja a ‘abertura’ está em discussão, mas também o significado de ‘ciência’, provoca a autora.

Ciência aberta e domínio público
Para alguns, ciência aberta é uma retomada do verdadeiro espírito da ciência. Para outros, reflete um novo modo de pensar a própria ciência. (imagem: OpenSource.com/Flickr/CC BY-SA 2.0)

Albagli destaca, ainda, uma série de desafios éticos e políticos trazidos à tona pelo movimento da ciência aberta. Um deles é a tensão entre o compromisso de se tornar resultados de pesquisa rapidamente disponíveis para a utilização por terceiros e a ainda central preocupação com o combate ao plágio por parte das instituições de pesquisa e ensino em seus códigos de ética.

Por fim, a autora enfatiza que o movimento pela ciência aberta não tem consequências apenas para pesquisadores e suas instituições, mas também para a sociedade de uma maneira geral, uma vez que ela também sofre os impactos da privatização do conhecimento – um exemplo clássico é o consumo de medicamentos patenteados, cujos preços são determinados por quem detém a propriedade intelectual relativa à produção do fármaco, e não por quem precisa dele.

Livro aberto

Além de reflexões teóricas sobre a ciência aberta, os artigos apresentam experiências concretas em que o trabalho colaborativo rendeu frutos. Um exemplo inclui as tentativas de reduzir o custo das pesquisas e aumentar sua reprodutibilidade a partir da construção de equipamentos de laboratório de baixo custo – um caminho que tem valor especial nos países em desenvolvimento, onde os orçamentos para a ciência tendem a ser muito limitados.

Ciência aberta, questões abertas está – e como poderia não estar? – disponível de forma gratuita na internet. O conteúdo é licenciado pela Creative Commons, que permite sua ampla distribuição e, inclusive, que se crie novas obras a partir do livro – respeitado o crédito às fontes, é claro, e desde que o novo material seja licenciado da mesma maneira.

Ciência aberta, questões abertas
Sarita Albagli, Maria Lucia Maciel e Alexandre Hannud Abdo (organizadores) 
Ibict | UniRio
315 páginas – Acesso gratuito aqui 

Catarina Chagas
Instituto Ciência Hoje/ RJ