Ciência: uma língua viva

“O conhecimento que não serve para nada é pior que inútil. Você se vacina contra o conhecimento, não quer mais saber dele”. 

A afirmação acima é de Luís Carlos de Menezes, físico e especialista em ensino de ciências da Universidade de São Paulo. Ela foi dita em conferência dada na sexta-feira passada, último dia da reunião anual da SBPC, em Natal (RN).

“Ciência é ensinada no colégio como se fosse latim, uma língua morta”

Em exposição que propôs um novo caminho para a aprendizagem de ciências no ensino básico, Menezes mostrou-se – muitas vezes – indignado com o modo como se transfere conhecimento nos colégios do país. Para ele, “as matérias são ensinadas como se fossem latim, uma língua morta”.

O quer dizer isso?

Segundo o físico, as informações estão sendo passadas de forma equivocada aos estudantes. A matéria seria desinteressante, chata. Pouco útil.

– Há, no entanto, de se tomar cuidado com essa ideia pragmática de “ser útil”. As coisas não precisam ter uma utilidade prática. Há conhecimentos que não servem para nada mas dão prazer. Gastronomia e namorar são as melhores coisas da vida. Mas não servem para nada – conta Menezes, em entrevista por telefone pós-SBPC. E complementa. – Agora, as aulas de ciências nos colégios não são úteis e nem prazerosas. Daí se pensa: “Desse treco eu não quero saber”.

A importância da prática

Menezes diz que, quando a experiência é ruim, ela magoa. “O aluno acaba pensando que não tem cabeça para ciências, é como se ele tivesse sido decapitado para a matéria”.

A reclamação do físico é com o modelo de aula em que só o professor age, fala, discursa. Para ele, muitas vezes se ensinam teorias que nunca irão fazer parte da vida dos alunos. “Por que só se ensina termodinâmica, e não se mostra o ciclo de um motor?”, questiona.

“Aprende quem faz, não quem ouve dizer”

– Apenas 1/3 da aula deveria ser de exposição do professor. Nunca mais do que isso. É preciso que o aluno experimente, faça. Aprende quem faz, não quem ouve dizer.

A necessidade de formar professores

Segundo o físico, já há pesquisas e programas de ensino que propõem novas metodologias. A questão seria: quem vai ensinar o professor a ensinar? “O professor, na faculdade, é formado por outro professor que não lida com crianças desde o tempo em que estava na escola”, reflete Menezes. “As universidades precisam ir às escolas para ver como se dá uma aula, e não o inverso”.

A questão, no entanto, não seria apenas a formação do profissional. Menezes relativiza e fala das dificuldades que o professor passa no dia a dia.

– O professor tem de dar aula para, no mínimo, dez turmas para manter um padrão de vida razoável. Tem em média uns 600 alunos. Esse profissional vai apenas passar por essas turmas, não vai pertencer a elas, às escolas. Essa condição de vida compromete muito. A questão não é só o salário, mas é também.

O futuro incerto

“Falta uma política pública para incentivar esses professores, para levar o que se estuda sobre novas metodologias às faculdades”, cobra Menezes. “Mas sei que não é uma questão apenas do ensino de ciências, sei que ensinam história, por exemplo, da mesma maneira, ensinam coisas para a gente esquecer”, reclama o físico – para, logo depois, perguntar ao repórter. “Você saberia dizer o que fez Mem de Sá?”. Ele próprio responde às gargalhadas. “É, professor, Mem de Sá fez o possível”.

“Como formar professores para um mundo em que talvez  eles não existam mais?”

A conclusão de Menezes: existe um caminho apontado. Há boas universidades dispostas a mudar de rumo, pessoas competentes estudando o assunto e propondo novas ideias. A hora é de trabalhar.

Mas ele, apesar de bem-humorado e, de certo modo, otimista, parece sempre se lembrar de poréns.

– Neste momento, tenho pensado de modo um pouco mais amplo sobre educação. Vivemos um momento muito importante da história humana. Talvez só comparado ao início da civilização. Há uma vertigem econômica, social, cultural. Não sabemos, por exemplo, o que vai ser considerado trabalho daqui a vinte anos. Qual profissão vai sobreviver – diz o físico. E pergunta, em tom de dúvida sincera. – Como então formar professores para um mundo em que talvez  eles não existam mais?

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line

 

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