O arquiteto Sérgio Magalhães, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, iniciou o mês de julho em grande estilo: estreou sua coluna na revista CH e ministrou uma conferência organizada pelo Instituto Ciência Hoje na 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que acontece até o dia 15 de julho em Goiânia (GO).
Conferência e coluna – batizadas de ‘Os desafios das cidades’ e ‘Cidade inteira’, respectivamente –, compartilham não só o autor, mas também uma ideia fundamental: para ser democrática, uma cidade deve conter a expansão urbana e prezar pela compactação.
“A expansão desenfreada e predatória se choca frontalmente com o desejo de democratização das cidades”, sintetiza Magalhães. “Ela dificulta a universalização dos serviços públicos e a garantia de mobilidade, fazendo com que a constituição brasileira não alcance todos os territórios urbanos.”
O mote já havia sido levantado pelo próprio arquiteto em entrevista para a reportagem de capa da CH 274, publicada em setembro de 2010, sobre metrópoles sustentáveis.
Cidade sobre pneus
O modelo de cidade expansionista estaria calcado em diversos apoios, como o transporte público sobre pneus – ônibus e vans – em detrimento dos trilhos – trens e bondes. “Também há doutrinas urbanísticas que estimulam a expansão. Os campi universitários federais são um exemplo: muito grandes e distantes dos centros das cidades”, pondera Magalhães.
Para o arquiteto, pensar a cidade como um todo se torna inviável se os polos de pesquisa e de ensino – as universidades – estiverem isolados e distantes do centro urbano. A grande distância entre os campi e os centros e até entre os prédios universitários entre si seria fruto tanto de um pretenso impedimento da mobilização estudantil pelo governo militar durante as décadas de 1960 e 1970, quanto de uma arquitetura modernista iniciada na década de 1920.
Paris cabe no Rio!
De 1940 a 2000, a população brasileira aumentou 13 vezes: de 12 milhões para 160 milhões. Ao mesmo tempo, o número de domicílios saltou de 2 milhões para 40 milhões – um crescimento de 20 vezes.
Como exemplo de cidade expandida, Magalhães cita o Rio de Janeiro: entre 1960 e 1996, a densidade populacional diminuiu drasticamente, passando de 15,8 habitantes por km2 para 9,8 mil em 1996.
Ao longo do século 20, viver na cidade ficou mais caro à medida que mais serviços tornaram-se necessários para a vida urbana. Nesse período, também houve as grandes remoções de favelas para territórios vazios mais distantes, como Cidade de Deus, Vila Kennedy e Antares. “O resultado foi um crescimento da área da cidade em três vezes”, explica o arquiteto.
Para quem acha que baixa densidade populacional é sinônimo de qualidade de vida, Magalhães argumenta: Paris, considerada um modelo de metrópole, tem altíssima densidade populacional e uma igualmente alta qualidade de vida, com Índice de Desenvolvimento Humano de 0,917 (em uma escala de zero a um).
A comparação com a capital francesa, aliás, é curiosa: o território de Paris, praticamente o mesmo há mais de 200 anos, corresponde a uma pequena parte do município do Rio de Janeiro. “Em um território muito menor, Paris ainda tem cerca de 350 pontos de metrô”, destaca Magalhães. “É uma metrópole que fortalece a centralidade, enquanto as cidades brasileiras fazem o contrário”, reflete.
Uma cidade compacta estimularia não só a universalização dos serviços públicos, mas também aquela que é a característica principal da vida urbana, para o arquiteto: a interação social e o encontro de diferenças. “Eu diria que é impossível que a próxima geração avance consistentemente na construção da igualdade se persistir no modelo da expansão desmedida”, sentencia o arquiteto.
Isabela Fraga
Ciência Hoje/ RJ
Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Os crescimentos de 13 vezes da população e de 20 vezes do número de domicílios se referem ao Brasil e não ao Rio de Janeiro. (14/7/2011)
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