Conhecimento mixado

Mixar música, ciência e vídeo é a praia de Tom McFadden, um biólogo que se autointitula science rapper, algo como ‘rapper da ciência’. A figura já foi destaque da CH On-line em 2009, quando ganhou um prêmio de divulgação científica da revista The Scientist pelo videoclipe Synaptic cleft, um rap que fez com os colegas de graduação da Universidade de Stanford para explicar a neurotransmissão. Desde então, McFadden não parou mais de tocar projetos para fomentar o interesse da sociedade pela ciência. 

No ano passado, o rapper ganhou uma bolsa de mestrado em comunicação da ciência na Universidade de Otago, na Nova Zelândia. Lá, ele coordenou o Science Idol, uma paródia do famoso programa de calouros em que estudantes concorriam com músicas próprias sobre ciência. Do concurso saíram criações como Covalent love (Amor covalente), uma canção – à altura de qualquer hit pop de sucesso – que brinca com o fenômeno da troca de elétrons entre átomos.

McFadden tomou gosto pelo trabalho e fez também clipes sobre saúde e meio ambiente com alunos de regiões carentes da Península de Yucatán, no México, e de Palo Alto e Rewood City, na Califórnia. O seu mais novo projeto é o Battle Rap Histories of Epic Science – Brahe’s Battles. O nome faz referência ao astrônomo dinamarquês Tycho Brahe, que perdeu o nariz durante um duelo com um nobre que não concordava que a Terra orbitava o Sol. A ideia da iniciativa é reunir crianças para fazer clipes de rap, no estilo de duelo, sobre situações polêmicas da história da ciência quando cientistas divergiram em algum aspecto.

Confira um dos clipes produzidos com estudantes

O rapper já iniciou os trabalhos em cinco escolas de São Francisco, Estados Unidos. Com o apoio dos professores, ele está coordenando oficinas de música, edição de vídeo e mixagem de som. Nesses workshops, as crianças têm chance de participar de todo o processo de criação dos clipes, da confecção das letras até o produto final. Para financiar o projeto, McFadden está pedindo ajuda no site de crowdsourcing Kickstater. Conversamos com o rapper sobre esse projeto mais recente e sobre a divulgação da ciência em vídeos como ferramenta de educação.

Alô, Professor: Você tem uma vasta carreira de divulgação da ciência por meio de clipes. Como foi que você enveredou por esse caminho?
Tom McFadden: Minha primeira experiência foi escrever uma música sobre o tecido adiposo das rãs quando eu tinha 11 anos. Foi uma canção totalmente original e engraçada chamada Fat bodies. Depois disso, a primeira música que fiz para o público em geral foi Wanna be a scholar? (Quer ser um acadêmico?), quando eu dava aulas em Stanford para alunos de pré-vestibular. Não é uma obra de arte, mas foi meu começo. Quando meus vídeos começaram a alcançar uma audiência maior, fora das minhas turmas, percebi que eu estava muito interessado na comunicação pública da ciência e continuei.

Como surgiu a ideia de criar esse projeto de rap sobre ciência com crianças, o Brahe’s Battles? Qual é o seu objetivo com ele?
Pensei que seria um modo de melhorar a qualidade das músicas de ciência que eu já vinha fazendo e ao mesmo tempo envolver as crianças com a ciência e a música. O formato de duelo me pareceu muito bom para uma proposta de educação. Eu também estava pensando sobre o quão importante é mostrar a ciência como um processo. Fazer músicas que contam as narrativas humanas por trás da história da ciência é um ótimo modo de fazer isso.

Minha meta com esse projeto é fazer das crianças as estrelas principais. Eu amo trabalhar com crianças e é muito divertido colaborar com elas. O objetivo último é que nos tornemos capazes de produzir uma série de músicas educativas realmente bem feitas que fiquem disponíveis para qualquer estudante ao redor do planeta. Quero que os professores possam usar os vídeos como parte de suas aulas. Eles poderão remixar os vídeos e usá-los como quiserem.

“Acredito que a educação científica tradicional ficaria muito mais interessante se trouxesse o contexto histórico e o lado humano dos cientistas”

O seu projeto traz o lado divertido e interessante da ciência para a escola. Mas como isso está sendo feito na prática? É possível combinar as aulas regulares com esse tipo de iniciativa interdisciplinar?

Estamos fazendo de duas formas. Metade das escolas está tendo as oficinas durante o horário normal de aula e metade em tempo extra. E é muito legal poder ter as duas experiências. Usar o tempo da aula nem sempre funciona bem em escolas que estão focadas em notas de provas e usam todo o tempo da criança para isso. Para as turmas em que pudemos trabalhar durante as aulas, percebo que surgiu a oportunidade de os estudantes mergulharem mais a fundo na ciência do que o normal. Mas em ambos os casos haverá tempo suficiente durante as aulas para os alunos mostrarem seus projetos finais, vídeos de música de dois minutos e meio. Acredito que a educação científica tradicional ficaria muito mais interessante se trouxesse o contexto histórico e o lado humano dos cientistas.

Você já trabalhou com muitas crianças, ajudando-as a fazer clipes sobre ciência. O que você aprendeu com essa experiência?
Tenho aprendido muito com todas as crianças com que trabalhei. Uma das coisas que percebi é que os alunos têm talentos incrivelmente diversos. Meus projetos favoritos são os que podemos deixar diferentes alunos brilharem. Os que sabem ciência muito bem, os que gostam de rap, outros que gostam de planejar os vídeos e trabalham nos bastidores. Idealmente, todos têm chance de mostrar os talentos que normalmente não são destacados na escola.

E as crianças? Como trabalhar com música, vídeo e ciência as transforma?
Os professores frequentemente comentam que os alunos que se mostram mais engajados nas sessões de rap não são os mais entusiasmados nas aulas de ciência. É ótimo em todos os sentidos que as crianças explorem a arte e a música e possam pensar sobre disciplinas diferentes. Durante a Brahe’s Battles, estou medindo a atitude dos estudantes em relação à ciência por meio de formulário e estou animado para ver os resultados. Mas, o mais importante é que nós nos divertimos muito fazendo algo interdisciplinar e criativo. Criar esse ambiente na escola é uma experiência maravilhosa para eles.

Que dica você dá para os professores brasileiros que queiram seguir seu caminho?
Meu principal conselho é estar disposto a trazer suas mais diversas paixões para a sala de aula e compartilhá-las com os alunos. Eles geralmente gostam de entusiasmo contagioso. Se você puder encontrar um jeito diferente de deixar os alunos mostrarem suas habilidades de modo não tradicional, então você vai conseguir engajá-los.


Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line