Contra a biopirataria


Além de alimentar comunidades indígenas e animais na Amazônia, o cupuaçu é usado para fabricar sucos, sorvetes, tortas e geléias (fotos: J. Diaz / Amazonlink).

 

O cupuaçu é nosso ( “Cupuaçu belongs to us”). Com esse slogan, a organização não-governamental Amazonlink promoveu um debate sobre a campanha brasileira contra a biopirataria. No centro das discussões estiveram os pedidos de patente e de marca registrada do fruto brasileiro cupuaçu, reivindicados por empresas estrangeiras. A questão foi discutida em evento paralelo da 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8).

 

Fonte primária de alimento na Amazônia, tanto para populações indígenas como para animais, o cupuaçu é usado para fazer sucos, sorvetes, tortas e geléias a partir da polpa. Além disso, características semelhantes às do cacau propiciam a fabricação de um tipo de chocolate a partir do caroço do fruto, o chamado ‘cupulate’.

 

Com a descoberta dessas potencialidades por empresas internacionais, começaram a pipocar pedidos de patentes sobre a extração do óleo da semente do cupuaçu e sobre a produção do chocolate derivado de seu fruto. Quase todos os pedidos foram registrados pela empresa Asahi Foods, do Japão, que também registrou o nome ‘cupuaçu’ como marca registrada para vários produtos (incluindo o chocolate) no Japão, União Européia e Estados Unidos.

 

Em 2003, entidades brasileiras abriram um processo no órgão responsável pelo registro de marcas e patentes no Japão (Japanese Patent Office) e, em março de 2004, saiu a decisão que cancela o registro da marca. “Esse cancelamento foi uma vitória importante, mas o maior triunfo está no poder da sociedade civil de reagir contra a monopolização dos conhecimentos tradicionais e das riquezas amazônicas”, disse Michael Schmidlehner, presidente da Amazonlink. Na União Européia foi o governo brasileiro que entrou com ofício solicitando cancelamento do pedido da marca; nos Estados Unidos, a própria empresa desistiu da reivindicação.

 

De acordo com Schmidlehner, existe uma cultura de patentes em países industrializados, mas nos chamados países megadiversos, como o Brasil, essa cultura praticamente inexiste. De fato, só 20% das patentes de recursos do Brasil estão nas mãos de brasileiros. Já os japoneses detêm 90% das patentes de recursos de seu país.

 

Embora registro de marca e registro de patente sejam formas de propriedade intelectual, há diferença entre um e outro. O primeiro visa à utilização de um nome; já o registro de patente garante a exploração comercial de uma invenção. O cancelamento de um registro de patente, vale lembrar, é uma operação muito mais complexa. No caso do cupuaçu, há vários registros dos dois tipos.

 

A falta de informação das comunidades tradicionais é apontada pela Amazonlink como um dos fatores que franqueiam a biopirataria. Para proteger essas comunidades, a ONG defende a criação de uma bem orquestrada rede de informações. “O índio, o caboclo, o ribeirinho são os principais alvos da biopirataria e precisam de capacitação para se proteger e para se tornar eles próprios os guardiões de seus conhecimentos e de suas matérias-primas.”

 

Repartição de benefícios

 

Produção de ‘cupulate’, o chocolate derivado do caroço do cupuaçu.

 

 

 

 

 

O cupuaçu é apenas um caso entre tantos outros de apropriação indevidade recursos de países megadiversos. “O fato expõe só a ponta do icebergdo enorme e complexo problema da biopirataria praticada hoje”, acreditaSchmidlehner.

Nesta COP8, são grandes as expectativas em torno das negociações para definir um regime internacional que regule o acesso aos bens de determinada área e a repartição dos benefícios que eles propiciam. Esse regime fixaria imposições a empresas estrangeiras interessadas em explorar recursos genéticos de países megadiversos. A idéia é que os benefícios provenientes desses recursos sejam repartidos e que os detentores dos recursos sejam obrigatoriamente compensados. As formas de compensação ainda estão por ser definidas.

Na discussão também estão em jogo os direitos das populações tradicionais (índios, em sua maioria), pois boa parte do conhecimento sobre uso de matérias-primas provém deles. O presidente da Amazonlink preocupa-se com uma questão crucial: “Os benefícios serão destinados diretamente às comunidades ou os governos é que os receberiam para repassá-los a quem de direito em seguida?”.

Algumas ONGs brasileiras defendem um protocolo vinculante, que conteria as obrigações para os países signatários da convenção e as sanções aplicáveis àqueles que não cumprirem as regras definidas. Há ainda a sugestão, feita por alguns países, de que o texto seja mais abrangente e adote um regime voluntário.

 

Luciana Cristo

 

Especial para a CH On-line / PR
24/03/2006