A maneira como a tecnologia está mudando a forma de se ensinar e aprender é o foco de interesse de pesquisadores brasileiros (foto: Elias Minasi).
Como a imensa capacidade de armazenamento e troca de informações da rede mundial de computadores pode ser usada em benefício da educação em ciência? Essa foi a questão central de um simpósio realizado na reunião anual da SBPC. Mais que dar uma resposta única à pergunta, o debate mostrou a abrangência da questão ao inserir na discussão pontos como o grau de discernimento dos usuários em relação às informações obtidas e a forma como transformam essas informações em conhecimento.
“A tecnologia mudou a maneira de ensinar e de aprender”, afirmou o coordenador do debate, o físico José André Angotti, professor do programa de pós-graduação em educação científica e tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo Angotti, existem hoje no Brasil cerca de 40 milhões de usuários da rede, distribuídos não apenas nas grandes cidades, mas também em pequenos municípios.
“Basta que haja uma lan house para que a pessoa tenha contato com a internet”, lembra ele. “Essa mobilidade da tecnologia ajuda a democratizar o conhecimento e traz a possibilidade de divulgar a ciência e a tecnologia como uma cultura e não como algo útil apenas para os tecnólogos.”
Mas o que parece ser o grande trunfo da rede mundial de computadores é também seu maior perigo. E os pesquisadores não ignoram a questão. A física Maria Regina Dubeux Kawamura, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), destacou o risco do acesso a um grande volume de informação sem a educação para pensá-la. “O potencial da internet para o aprendizado é altíssimo, mas há contradições.”
Wikipédia e Google
Kawamura estuda as mudanças no ensino de física provocadas pelo avanço da era virtual e conduziu uma pesquisa na qual buscou entender o modo como jovens do ensino médio e universitário trabalham na internet. O método era simples: os pesquisadores forneciam uma pergunta aos estudantes e pediam que eles achassem a resposta na rede.
Kawamura destacou o alto número de respostas erradas obtidas pelos alunos. “Uma das perguntas era se podíamos ou não ligar um aparelho adaptado para trabalhar com 110 volts em uma tomada de 220 volts. As respostas erradas foram muitas e, em casos como esse, isso é muito perigoso.”
A pesquisadora também alertou para o fato de, em geral, os alunos ficarem satisfeitos com as repostas encontradas em ferramentas como a Wikipédia, enciclopédia livre de conteúdo editado pelos próprios usuários da rede, e com os primeiros resultados das pesquisas feitas em buscadores como o Google.
“Essas ferramentas não são neutras ou isentas”, ressalta Kawamura. “No Google, por exemplo, existem filtros que indicam quais páginas aparecerão como primeiros resultados da busca e muitos deles se baseiam no número de citações daquela página. Isso significa que o discurso contraditório é eliminado.” A pesquisadora lembrou ainda que muitas vezes a mesma informação é repetida por diferentes autores e essa repetição acaba por legitimar uma verdade científica que não existe. “O usuário precisa estar atento”, alerta. “Afinal, como diz o ditado, quem conta um conto aumenta um ponto.”
Linguagem ameaçada?
Outra questão abordada no simpósio foi o uso de novas formas de escrita na internet. O químico Marcelo Giordan, pesquisador da USP, falou sobre experiências vividas durante a condução do projeto Laboratório de Pesquisa em Ensino de Química e Tecnologias Educativas .
O projeto consiste no desenvolvimento de uma página na rede para comunicação entre licenciandos em química, que atuam como tutores, e alunos do ensino básico. Giordan contou o caso de um aluno que mandou uma mensagem escrita na linguagem ‘cifrada’ comumente usada pelos jovens para se comunicarem na rede. “O tutor não entendeu o que ele queria dizer. O aluno escrevia ‘fase’ quando queria dizer fazer”, exemplifica.
Para o pesquisador, no entanto, a questão não é grave. “Basta que o aluno seja estimulado a pensar os espaços onde deve ou não usar essa linguagem. Em salas de bate-papo com os amigos não há problemas, mas em uma situação formal de ensino ele deve escrever de forma mais clara. E ele percebe isso a partir do momento em que, se não escreve de maneira clara, não se faz entender”, afirmou.
Kawamura completou: “Pela experiência de trocas com alunos em fóruns virtuais de discussão percebemos que não adianta corrigir o aluno. Isso o deixa tímido, afugenta. A melhor estratégia para lidar com a questão é arrumar uma maneira de inserir na resposta a palavra correta”, avalia.
Mariana Ferraz
Especial para Ciência Hoje On-line
16/07/2008