Conversa sobre bactérias regada a cerveja

Você sabia que há mais micróbios na Terra do que estrelas no universo? Essa informação surpreendeu muitos dos presentes ontem à noite em um bar do Rio de Janeiro. Num bar??!! Sim! O grupo estava reunido para uma das primeiras sessões do festival internacional de divulgação científica Pint of Science, que tem como objetivo proporcionar debates divertidos sobre os mais variados temas da ciência em um formato acessível para o público e em ambientes descontraídos, como bares, restaurantes e cafés.

Eram 19h30 e o bar Bento, no Maracanã (RJ), já estava repleto de pessoas, quase todas com um copo de cerveja na mão, prontas para participar de um bate-papo com o tema ‘Vilões ou heróis: microrganismos que habitam nosso corpo’. Os oradores também já brindavam e começaram lançando um desafio. Quem respondesse corretamente a cada uma das questões ganhava uma camisa alusiva ao festival. “Quantos micróbios existem na Terra?” e “Quantas estrelas existem no universo?” foram algumas das perguntas lançadas.

Temos no nosso organismo um número maior de bactérias do que de células!

Depois dessa animada gincana, o microbiólogo Leandro Araújo Lobo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), começou a convocar a participação do público, dizendo: “Isto não é uma palestra ou um congresso! Isto é um bate-papo!”. E logo a seguir perguntou: “O que vem à cabeça de vocês quando se fala em bactérias?” Alguém gritou: “dor de garganta”; e outra pessoa disse: “doenças”. Mas os pesquisadores estavam ali para desmistificar essa associação. Na verdade, as bactérias são muito mais heroínas do que vilãs. Aliás, temos no nosso organismo um número maior de bactérias do que de células!

Um dos exemplos dados para ilustrar o impacto positivo das bactérias no nosso bem-estar é o fato de que os bebês que nascem de parto normal tendem a ter um nível de saúde geral melhor que os bebês que nascem por cesariana. E isso acontece porque, durante o parto, os bebês são expostos a uma grande quantidade de bactérias que vão colonizar o seu trato digestivo. Quando o bebê nasce por parto normal, acaba ingerindo diversas bactérias benéficas que advêm sobretudo do canal vaginal da mãe. Além de seu importante papel na proteção e defesa do organismo quando há colonização por organismos patogênicos (que causam doenças), essas bactérias auxiliam na absorção de nutrientes.


O modo como um bebê nasce se reflete na composição da sua microbiota (conjunto dos microrganismos que habitam o corpo) e isso tem impacto na sua saúde a longo prazo. (foto: Sander van der Wel/ Flickr – CC BY-SA 2.0)

Segundo o microbiólogo Luis Antunes, da Fundação Oswaldo Cruz, o transplante de microbiota vaginal da mãe para os bebês que nascem por cesariana vai ser algo bastante comum no futuro.  Hoje, o que está disponível é o transplante de microbiota fecal, que foi também discutido com bastante humor ontem à noite, ressalvando sempre os benefícios dessa técnica, sobretudo para os problemas gastrointestinais crônicos.

 

Bactérias no cardápio

Os participantes do evento também debateram algo que está muito na moda: o consumo de probióticos! Para aqueles que ainda não sabem, trata-se de organismos vivos que, quando administrados em quantidades apropriadas, conferem vantagens à saúde.


O kefir (à esquerda) e a kombucha (à direita), produtos obtidos a partir da fermentação de bebidas, são alimentos probióticos, ou seja, contêm microrganismos que trazem benefícios para a saúde. (fotos: Wikimedia Commons – CC0 e Ed Summers/ Flickr – CC BY 2.0)

Importante foi também fazer a distinção entre prebióticos e probióticos. Os prebióticos não são bactérias, mas sim nutrientes que servem para alimentar e estimular o crescimento de bactérias intestinais benéficas. Explicando melhor, trata-se sobretudo de fibras não digeríveis, mas que são fermentadas pelas bactérias do cólon (região do intestino).

O microbiólogo Marco Miguel, da UFRJ, salientou de imediato que devemos então comer vários alimentos ricos em fibras, como as verduras, já que são alimentos prebióticos. Sobre o consumo de prebióticos e probióticos em pó ou cápsulas como meio de suplementação, o melhor é procurar um profissional de saúde para avaliar essa necessidade e, em caso positivo, determinar a dosagem e o momento do dia que devem ser administrados.


Além das verduras, vários outros alimentos, como batata-doce, banana, cebola, alho e tomate, são naturalmente ricos em prebióticos, nutrientes capazes de estimular o crescimento de bactérias que melhoram o funcionamento do intestino. (fotos: Freeimages e Pixabay)

Mas uma grande dúvida ficou no ar quando alguém perguntou qual o impacto dos alimentos transgênicos (geneticamente modificados) na nossa microbiota. De fato, não é possível avaliar com precisão essa questão, pois não existem ainda as técnicas mais indicadas para tal, mas Miguel respondeu de imediato que os alimentos transgênicos, por serem algo tão novo e diferente, podem exterminar as formas selvagens de bactérias probióticas intestinais.

Antunes ressaltou que, apesar de não se saberem os efeitos a longo prazo do consumo desse tipo de alimento sobre a nossa microbiota, os transgênicos são muito importantes na nossa sociedade, pois promovem o abastecimento necessário para alimentar a atual população mundial.

Muitas outras questões interessantes e curiosas surgiram e, entre gargalhadas, brindes e partilhas de fatias de pizza, encerrou-se o bate-papo. No final, as bactérias benéficas que habitam o nosso corpo ganharam um novo protagonismo, tendo sido atribuído a elas o título de heroínas da noite! 

Para quem se interessou em participar desse divertido debate sobre ciência, o Pint of Science acontece até 17 de maio em mais de 100 cidades espalhadas por 11 países! A entrada é gratuita. Confira a programação no Brasil na página do evento.

 

Margarida Martins
Instituto de Medicina Molecular (Lisboa/ Portugal)
Especial para CH On-line