O complexo organismo humano é, sem dúvida, um amplo campo para a investigação científica e também um ‘parque de diversões’ a ser explorado com criatividade pelos divulgadores. É o que mostram um novo espaço de ciência mineiro e uma exposição em cartaz no Rio de Janeiro, que nos convidam a uma viagem pelo passado, presente e futuro. A mostra carioca resgata um precioso material sobre patologia e anatomia, que ajuda a contar a história da ciência nacional desde o início do século 20. O museu de Minas Gerais utiliza tecnologias desenvolvidas no Brasil para tratar de cada componente do nosso organismo, numa futurística e interativa viagem.
No Rio de Janeiro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) abriga a mostra ‘Corpo, Saúde e Ciência: o Museu da Patologia do Instituto Oswaldo Cruz’, que apresenta fotos, desenhos, peças anatômicas, documentos e instrumentos médicos raros utilizados desde o início do século passado. A maior parte dos itens integra o acervo do museu homônimo, criado em 1903.
“A mostra ilustra a história dessa coleção, que pode ter chegado a mais de 40 mil peças, mas foi desmantelada no regime militar”, afirma Bárbara Dias, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e uma das curadoras da exposição. “São registros anatômicos únicos de doença de Chagas, carcinomas e alterações pulmonares e hepáticas, trabalhos de importantes cientistas brasileiros.”
O acervo tem, hoje, 850 peças e pode ser acessado via internet. O sucesso da iniciativa on-line foi determinante para a criação da exposição – seu conteúdo foi, inclusive, escolhido por votação na plataforma. Além desses itens, a exposição ainda conta com peças cedidas por outras instituições do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Na mostra, os visitantes podem conhecer a relação próxima entre anatomia e arte – Dias lembra que, antes de se configurar como ciência, muitos artistas se interessaram pelo interior do corpo humano, como Leonardo da Vinci. “As peças histológicas atuais de grande beleza estética também em exposição ilustram que essa relação nunca acabou, apesar de arte e ciência serem, hoje, campos separados.”
- Pulmão com metástase e coração com cardiopatia chagásica, peças anatômicas históricas que integram o acervo do Museu da Patologia. (foto: IOC/ Gutemberg Brito)
A programação também inclui atividades lúdicas, como um quebra-cabeça com órgãos do corpo e a extração do DNA de frutas. Além disso, algumas áreas da mostra contam com QR Codes, códigos que, ao serem lidos com o celular, direcionam o visitante para conteúdos aprofundados na internet.
A exposição fica em cartaz na Fiocruz até o fim do ano, mas a expectativa de Dias é conseguir um espaço permanente para a visitação do acervo do museu em breve. A iniciativa também integra as atividades de comemoração do ano Brasil-Alemanha, já que um dos pesquisadores fundamentais para a criação do museu do IOC, Rocha Lima, estudou naquele país com discípulos de Rudolph Virchow, pai da patologia, e foi essencial para a boa relação do instituto com instituições alemãs no início do século.
Corpo digital
De volta para o futuro, adentramos um museu de grandes novidades. É o Espaço Interativo de Ciências da Vida, inaugurado no início do mês no Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais. A iniciativa também tem como tema o corpo humano e aposta na tecnologia para promover uma viagem interativa por nosso organismo. Dividida em oito salas, cada uma correspondendo a uma parte do corpo, ela investe alto em jogos, atividades, vídeos e animações para atrair a atenção do público.
Na sala sobre o movimento, por exemplo, sensores com tecnologia kinect – a mesma utilizada pela Microsoft no video game Xbox 360, que faz a leitura dos movimentos do jogador e os transporta para o jogo – avaliam o equilíbrio e a potência dos saltos do visitante, representados por avatares em uma tela.
Na ala dos sentidos, com movimentos de braços é possível misturar e decompor os sons de sua própria fala. E, no espaço sobre reprodução, é possível apostar uma corrida de espermatozoides. Tudo isso, é claro, acompanhado por outras atrações lúdicas, como identificar objetos apenas pelo tato ou olfato. Há ainda uma área especialmente pensada para deficientes visuais.
A intenção dos pesquisadores era importar atrações eletromecânicas para compor o museu. No entanto, devido aos altos custos, eles optaram por desenvolver suas próprias atrações interativas digitais. “Tínhamos muitas ideias e pessoal capacitado para transformar isso em atrações divertidas, utilizando sensores de movimento e outras tecnologias que não são tão caras, o que se mostrou muito mais interessante”, avalia o idealizador e coordenador do projeto, Fabrício Fernandino. “Os jovens de hoje têm enorme familiaridade com o universo digital, temos que usar isso para promover a ciência; ainda mais porque a interação também favorece a retenção do conhecimento.”
- O novo espaço interativo da UFMG apresenta o organismo humano e convida os visitantes a explorar seus próprios corpos, seu equilíbrio e seus sentidos. (foto: Márcia Vasconcelos)
Segundo Fernandino, os investimentos totais na estrutura e em equipamentos foram da ordem de 1,5 milhão de dólares – verbas obtidas junto à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e à Fundação Lampadia. Os pesquisadores pretendem replicar essa experiência em outros locais. “Temos alguns ótimos museus de ciência no Brasil, mas nenhum com esse tipo de tecnologia”, avalia. “Estamos preparando duas publicações, uma com características mais artísticas e outra mais científica, que poderão orientar outras instituições, além de estudar possibilidades de parcerias com outras universidades para reproduzir o projeto.”
O espaço interativo já conta com uma parceria, iniciada em agosto, com o governo estadual para a formação de professores da rede pública – uma semana por mês será dedicada apenas à recepção dos docentes. “Eles terão a oportunidade de aprender tudo sobre as instalações e os temas abordados em cada atração e atividade”, explica o idealizador e coordenador do projeto. “Assim, poderemos ajudar a complementar o ensino em sala e também orientar atividades que eles possam desenvolver com os alunos no próprio museu.”
Se você mora ou está de passagem por alguma das duas cidades, sem dúvida vale embarcar nessa viagem pelo organismo humano!
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line