Corrida maluca

Uma linhagem de células-tronco embrionárias de Cingapura venceu a primeira corrida mundial de células e ganhou o título de mais veloz do mundo. É isso mesmo, você não entendeu errado. 

A World cell race (corrida mundial de células, em português), cujo resultado final foi divulgado durante a 51ª Reunião Anual da Sociedade Americana de Biologia Celular, na semana passada, é literalmente uma corrida em que variados tipos de células disputam para ver quem atravessa mais rápido uma placa de Petri, aqueles recipientes de vidro redondos que os cientistas usam para cultivar pequenos organismos em laboratório.

As células-tronco vencedoras deixaram para trás 50 outras competidoras – entre células cancerosas, mutantes e modificadas artificialmente – ao atingir a incrivelmente lenta velocidade de 5,2 micrômetros por segundo, o equivalente a 0,000000312 quilômetros por hora. 

Pela dificuldade de reunir as amostras de células enviadas por pesquisadores de todo o mundo em um só lugar, a corrida se deu simultaneamente em laboratórios nos Estados Unidos, Inglaterra, França e Cingapura. Sob a vigilância de câmeras superpotentes, as competidoras tiveram 24 horas para completar o percurso de 0,4 mm. Para garantir que as células permanecessem no trajeto, as minipistas foram besuntadas com a proteína adesiva fibronectina.

Assista ao vídeo da corrida

A inusitada competição pode parecer maluca, mas teve um propósito científico importante: estudar a migração celular. Em nosso corpo, e também em cultura, as células normalmente se movem espontaneamente. Essa migração está envolvida tanto no processo de crescimento de órgãos quanto na aparição do câncer. 

“Queríamos criar um evento divertido para a comunidade de pesquisadores que trabalha com migração celular e esperávamos que a corrida nos ajudasse a descobrir algumas da regras universais por trás desse processo de migração, o que de fato aconteceu”, conta um dos idealizadores da competição, o microbiólogo Matthieu Piel, do Instituto Curie, na França. 

A inusitada competição pode parecer maluca, mas teve um propósito científico: estudar a migração celular

Os pesquisadores participantes observaram que quanto mais rápida uma célula, menos ela muda de direção. As células mais lentas, por sua vez, não conseguem seguir um mesmo sentido por muito tempo, parecem perdidas – o que na corrida deixou as chances de pódio ainda mais distantes para elas. 

Entre as células mais rápidas da competição, além das vencedoras embrionárias, estavam as cancerosas. Segundo Piel, essa informação pode ser muito útil para entender melhor os mecanismos de propagação da doença. 

Piel e mais dois amigos com os quais criou a competição, Manuel Théry e Ana-Maria Lennon-Duménil, pretendem dar continuidade ao projeto, introduzindo, porém, algumas mudanças nas regras. Na próxima corrida, as células terão que se mover por dentro de tubinhos. A ideia é que com esse novo formato os pesquisadores possam ver como elas se comportam em espaços confinados.

Além disso, os pesquisadores pensam em lançar competições de levantamento de peso e natação, ou seja, medir a força que as células exercem e promover corridas com células nadadoras, como esperma e células flageladas. 

As novas modalidades só devem estrear daqui a dois anos. Mas para o ano que vem dá para apostar em uma favorita! 


Sofia Moutinho

Ciência Hoje On-line

Clique aqui para ler o texto que a Ciência Hoje das Crianças publicou sobre a corrida mundial de células.