ConstruirA presença cotidiana do futebol em rodas de conversa e o amplo espaço dedicado ao tema na mídia evidenciam como esse esporte é um aspecto imprescindível para entender a sociedade brasileira. No Brasil, a mobilização motivada pelo futebol estabelece relações sociais democratizantes na medida em que reúne pessoas de origens diversas em torno de um assunto sobre o qual todos opinam de forma legítima. Sobretudo em época de Copa do Mundo, quando (quase) todo o país forma uma mesma torcida, o futebol atua na construção de uma identidade nacional que se opõe à diversidade individual e à rivalidade entre times.
A relevância do futebol na formação da cultura brasileira torna o assunto obrigatório também no meio acadêmico. A antropóloga Simoni Lahud, da Universidade Federal Fluminense, é especialista no tema desde a defesa de sua tese de mestrado (O futebol brasileiro: instituição zero) em 1977, quando ainda muito pouco havia sido escrito sobre a sociologia do futebol no Brasil. Desde então, a pesquisadora estuda o papel do esporte na construção da identidade nacional e seu significado na vida dos trabalhadores urbanos, sobretudo como veículo de formação de redes de sociabilidade masculina.
Alguns dos artigos e pesquisas de campo que a antropóloga realizou sobre o tema estão reunidos no livro O Brasil no campo de futebol . A pesquisadora observa como o desempenho da seleção brasileira na Copa do Mundo é encarado pela população como um atributo moral coletivo. Os campeonatos mundiais geram uma história própria, marcada por dramas e vitórias experimentados pela população de forma solidária. Um estudo comparativo entre matérias jornalísticas analisa a construção da imagem do jogador Romário como salvador da seleção na Copa do Mundo de 1994.
A autora mostra como a organização de clubes locais e times de pelada reordena a cultura dos trabalhadores urbanos e o espaço que habitam (um exemplo seria a apropriação de espaços abandonados pelo poder público para a prática do futebol). Em torno dos times locais, que costumam integrar diversas gerações, são construídos e negociados valores e idéias que reconfiguram as relações sociais.
O futebol também influencia o processo de construção do corpo e da cultura masculina, como pode ser observado no caso das escolinhas de futebol. O aprendizado do esporte introduz os jovens a uma linguagem e um universo de referência que orienta relações entre indivíduos de classes sociais distintas. Além disso, as escolinhas promovem a socialização dos meninos no mundo adulto, segundo a ética de não aceitar provocações.
A sociologia do futebol no Brasil começa nos anos 1950 e só se afirma em 1990, com a criação de um Núcleo Permanente de Estudos na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Como Lahud ressalta, a sociologia apenas começa a desvendar como esse esporte adquiriu poder de representação em nossa sociedade. “É hoje incontestável que, se desejamos compreender o Brasil, devemos passar por seus campos de futebol.”
O Brasil no campo de futebol: estudos antropológicos sobre os significados do futebol brasileiro
Simoni Lahud Guedes
Niterói, 1998, Eduff
136 páginas; R$ 12,00
Raquel Aguiar
Ciência Hoje on-line
20/06/02