Cultura em realce

Artes, literatura, cinema, música, dança. As pesquisas sobre essas áreas na universidade brasileira são cada vez mais numerosas e significativas. Nem sempre, porém, elas tornam-se conhecidas extramuros acadêmicos. Para abordar essa produção, bem como os demais campos das humanidades – e acontecimentos culturais, de modo geral, que mereçam destaque –, inaugurou-se, em julho deste ano na CH On-line, o sobreCultura +, versão virtual ampliada do suplemento cultural da revista Ciência Hoje.

Uma volta rápida pelos temas abordados no sobreCultura permite traçar uma retrospectiva de alguns acontecimentos importantes no ano cultural

O sobreCultura + complementa a versão impressa, que acompanha a revista trimestralmente, dando um cunho mais ágil e dinâmico às notícias da área de cultura. Uma volta rápida pelos temas focalizados permite traçar uma retrospectiva de alguns acontecimentos importantes no ano cultural.

Ao estrear com a cobertura da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, que comemorava este ano sua décima edição, o sobreCultura + permitiu ao leitor da CH On-line acompanhar debates sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade, homenageado no evento. Falaram sobre Drummond, entre outros, o crítico e escritor Silviano Santiago e o poeta e filósofo Antonio Cícero, prestando reflexiva reverência ao “nosso Proust mineiro”, nas palavras de Santiago.

Em uma Flip ‘morna’, um dos momentos marcantes foi o encontro com o romancista português José Luis Peixoto, que fez leitura pública de seu livro Morreste-me, ainda inédito no Brasil. A leitura desse texto pungente, em que relembra sua relação com o pai, foi disponibilizada na íntegra, com exclusividade, na reportagem.

Em seguida à Flip, realizou-se uma prévia da Flupp, a Festa Literária Internacional das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), no morro do Cantagalo, no Rio de Janeiro. Com participação do roteirista e diretor de cinema espanhol David Trueba e de escritores como o nigeriano Teju Cole, a portuguesa Dulce Maria Cardoso e o indiano Suketu Mehta, entre outros, o encontro esquentou os debates para a realização da primeira Flupp. Esta ocorreu em novembro, sugestivamente no morro dos Prazeres, situado no bairro carioca de Santa Teresa.

Prosas e prêmios

Ainda na área de literatura, o centenário de nascimento de Lúcio Cardoso, autor de Crônica da casa assassinada, trouxe de volta à cena um grande escritor que andava injustamente esquecido. A publicação de sua Poesia completa, reunida por Ésio Macedo Ribeiro – que também organizou os Diários – e de obras inéditas, garimpadas pela pesquisadora literária Valéria Lamego, permitirá novas leituras sobre o autor – cuja obra já é objeto de cerca de 100 teses universitárias.

Lucio cardoso
A atriz Maria Fernanda e o escritor Lúcio Cardoso durante a realização do filme inacabado do escritor. Documentário a partir da obra não lançada de Cardoso foi exibido neste ano. (foto: divulgação)

Já na prosa brasileira contemporânea, chama atenção – como apontou Karl Erik Schollhammer, professor de literatura da PUC-Rio, na versão impressa do sobreCultura – o “pacto renovado com o realismo histórico”. Schollhammer analisou dois romances cuja intriga tem como pano de fundo a pesquisa histórica – Desde que o samba é samba, de Paulo Lins, e Habitante irreal, de Paulo Scott (este, na verdade, lançado no finalzinho de 2011). Em ambos, porém, na opinião do crítico, o compromisso com o real acaba se sobrepujando ao sentido imanente e ao envolvimento afetivo que se espera da ficção.

Outro livro que se destacou foi K., de B. Kucinski, finalista de dois importantes prêmios literários – o Portugal Telecom e o São Paulo de Literatura. O autor construiu seu romance com base em fatos reais – o desaparecimento de sua irmã e de seu cunhado em abril de 1974. Mas esse foi apenas o ponto de partida de sua criação. Como escreveu o cientista político Renato Lessa, em ensaio sobre a obra, “a tensão entre testemunho/denúncia e literatura fica bem posta – e esclarecida – já na advertência feita por Bernardo Kucinski, dirigida ao leitor: “Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu”.

Ilustração K.
O escritor e jornalista Bernardo Kucinski construiu seu primeiro livro de ficção em torno do desaparecimento real de sua irmã, Ana Rosa Kucinski, no período ditatorial do Brasil. (imagem: divulgação)

Na categoria romance, ganhou o prêmio Telecom o português Valter Hugo Mãe e o São Paulo de Literatura o escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, falecido em janeiro deste ano. Mas, em termos de prêmios, o ano foi de Dalton Trevisan. O recluso escritor curitibano, aos 87 anos, papou os prêmios Machado de Assis, Bravo! Bradesco Prime de Cultura, Portugal Telecom (na categoria conto) e Camões! No ano de sua consagração absoluta, uma nota lastimável, contudo, foi a exclusão de seu livro Violetas e pavões do concurso para ingresso no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa, sob alegação de que o conteúdo era impróprio à faixa etária dos estudantes.

E a poesia?

O poeta e editor Sergio Cohn, da Azougue editorial, anunciou um projeto ambicioso: o lançamento de uma caixa com dez volumes, mapeando a poesia brasileira. Cantos ameríndios, poesia colonial, romantismo, modernismo, vanguardas, até chegar à produção contemporânea. No volume dos anos 2000, reuniu 16 poetas, segundo ele, “16 microcosmos, 16 dicções diferentes”. O sobreCultura + publicou a lista dos integrantes da antologia de poesia contemporânea e a matéria teve repercussão nas redes sociais.

Poesia.br
O livro com a poesia dos anos 2000 trará 16 poetas: para Sergio Cohn, a maioria deles ainda precisa se fazer conhecer. O ‘sobreCultura +’ fez longa entrevista com o editor. (foto: divulgação)

A arte de traduzir poesia, tão essencial à criação poética, também ganhou as páginas do suplemento cultural da Ciência Hoje. E ninguém melhor para falar do assunto do que Paulo Henriques Britto. Poeta premiado, o autor de Macau traduziu para o português a poesia de Wallace Stevens, Elizabeth Bishop, Ted Hughes e Emily Dickinson, sem falar em suas traduções de prosa. “A tradução de poesia é a tradução literária elevada à máxima potência”, ensina Britto, no seu ensaio-aula.

Avenidas atualizadas

Durante sete meses o país parou. Parou para ver, ouvir e comentar a novela Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro. Há tempos uma novela não causava esse impacto. Como explicar tal sucesso? A maestria do autor e de toda a equipe na atualização do folhetim eletrônico à era das narrativas interativas e das mídias digitais. Essa foi a suposição da antropóloga e professora de comunicação Esther Hamburger, no ensaio que escreveu sobre a renovação da teledramaturgia brasileira.

A mostra ‘Lygia Clark: uma retrospectiva’ apresentou um panorama da arte participativa da artista

No campo das artes, entre exposições grandiosas – como ‘Caravaggio’, com sete telas do pintor barroco italiano, e ‘Impressionismo: Paris e a modernidade’, com obras do acervo do Museu d’Orsay –, a mostra ‘Lygia Clark: uma retrospectiva’ apresentou um panorama da arte participativa da artista. No artigo que escreveu para o sobreCultura, Paulo Sergio Duarte, curador da retrospectiva junto com Felipe Scovino, apontou a contribuição inédita de Lygia Clark à história da arte da segunda metade do século 20, ao protagonizar “ao mesmo tempo que seu amigo Hélio Oiticica, a passagem do moderno ao contemporâneo”.

Mais voltado aos pontos de ênfase e à discussão de ideias do que ao factual, o sobreCultura realçou ainda, em reportagem com o quadrinista Rafael Coutinho, o sistema de financiamento coletivo que se tornou febre na internet, conhecido pelo termo em inglês crowdfunding. O autor de O beijo adolescente conseguiu arrecadar, em dois meses, R$ 37 mil, doados por 383 apoiadores, para lançar a segunda temporada de seu projeto em quadrinhos. “Sou parte de um movimento maior que ganha força no Brasil, um movimento de criação independente, em parceria direta com os leitores”, afirmou Coutinho.

Humanidades

No ano em que dobrou seu número de páginas, a versão impressa do sobreCulturacujos ensaios e seções também podem ser lidos na CH On-line – buscou afirmar o lugar das humanidades como parte indissociável do debate científico.

Como novidade para 2013, foi criada a seção ‘Perdidos e Achados’, que vai tratar dos grandes clássicos ausentes das prateleiras nacionais – obras universais, de teoria ou ficção, cujas edições estão esgotadas há tempos ou sequer foram traduzidas no Brasil.

Sheila Kaplan
Ciência Hoje/ RJ