Dando à luz

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Equipe de jornalistas dá à luz a criança e salva a mãe em parto complicado – e simulado. (foto: Gerdi Fotografie)

O cenário é dramático. Uma mulher muito grávida enfia o carro em uma árvore e se fere gravemente. Ela é socorrida por bombeiros e levada ao hospital mais próximo. Sua vida e a do bebê estão em risco. Perigo: a equipe ‘médica’ que tentará salvá-los é formada por jornalistas. Alívio: trata-se apenas de uma simulação.

No mês passado, tive a oportunidade de visitar o primeiro laboratório de simulação de partos do mundo, nos Países Baixos, mais precisamente em Eindhoven, berço da Philips e de outras tantas empresas no ramo tecnológico – fatos dos quais seus moradores gostam de se gabar.

Medsim é um centro independente de treinamento e pesquisa na área médica. Equipado com simuladores de ponta e aparatos de última geração, o centro mimetiza de forma impressionantemente fidedigna um ambiente hospitalar – de primeiro mundo, claro.

A diferença é que, ali, os erros são inofensivos aos ‘pacientes’ – feitos de material emborrachado e desenvolvidos pelo Centro Europeu de Design, um dos parceiros na empreitada. Ou melhor, esse é o lugar certo para eles ocorrerem.

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No laboratório de simulação de parto do Medsim, os pacientes são bonecos de borracha cuidadosamente desenvolvidos pelo Centro Europeu de Design. (foto: divulgação)

Medsim conta com especialistas em diversas áreas – não só da medicina – que estão ali justamente para avaliar e ajudar a melhorar o desempenho de equipes médicas, com o objetivo final de contribuir para a segurança do paciente.

Mão na massa, ou melhor, no bebê

Voltando à visita. Depois dos usuais slides de PowerPoint apresentando o projeto, tivemos a oportunidade de vestir luvas cirúrgicas e jalecos brancos e seguir os mesmos procedimentos que uma equipe médica em treinamento costuma seguir.

Na sala de briefing, assistimos ao vídeo da mulher na 38ª semana de gravidez que sofre um acidente de carro – relatado no início do post. As imagens, mesmo se tratando de pura encenação, contribuem para criar um clima de ansiedade e expectativa.

Essa primeira etapa do treinamento deve durar cinco minutos, mas já era de se esperar que com um grupo de jornalistas ela se estendesse um pouco mais. Depois de uma bateria de perguntas, fomos direcionados à sala de cirurgia.

Lá na cama, deitada, estava a mulher acidentada, desacordada. “Houve uma parada respiratória. Vocês precisam colocar a máscara de oxigênio nela e fazer massagem cardíaca”, orientava o ginecologista Guid Oei, um dos especialistas que trabalham no centro. “Assim não adianta. Tem que ser com mais força. Assim ó”, demonstrava diante da equipe desajeitada.

Enquanto duas de nós quase quebravam as costelas da pobre da gestante tentando reaver a sua respiração, outras duas tentavam tirar o bebê com vida da barriga da mulher. Com mais uma ajudinha do Dr. Oei, conseguimos finalmente dar à luz a criança.

Com mais uma ajudinha do Dr. Oei, conseguimos finalmente dar à luz a criança

Mas e a mãe? Para nosso alívio, depois de mais alguns trancos, a boneca abriu os olhos. “Ela está viva”, constatou minha colega excitada.

Dessa vez, não ultrapassamos os 15 minutos previstos para o procedimento e, surpreendentemente – talvez por extrema boa vontade do nosso supervisor –, passamos no teste.

Essa parte do treinamento é normalmente acompanhada por especialistas em obstetrícia e comunicação. De uma sala especial e por meio de câmeras e monitores, eles podem ver tudo e mudar os parâmetros dos pacientes de acordo com a performance da equipe.

Por fim, os especialistas se unem à equipe para conversar sobre o seu desempenho, usando as imagens e anotações feitas durante o procedimento cirúrgico. Essa etapa, da qual nós jornalistas, por sorte, fomos dispensados, é considerada a mais importante do treinamento e dura, em média, 40 minutos.

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Especialistas em obstetrícia e comunicação acompanham todo o procedimento cirúrgico por câmeras e monitores e avaliam o desempenho da equipe em treinamento. (foto: divulgação)

Especialistas em comunicação?

Mais do que em habilidades individuais, o treinamento no Medsim está focado na melhoria da comunicação e cooperação entre os membros de uma equipe médica. “É muito comum que falhas de comunicação em situações de estresse resultem em danos não intencionais aos pacientes”, afirma Oei.

De acordo com o ginecologista, são registrados anualmente nos Países Baixos 30 mil erros médicos que poderiam ser evitados, sendo que cerca de 1.700 pacientes morrem por causa deles. “Isso representa um custo de aproximadamente 160 milhões de euros”, calcula.

É comum que falhas de comunicação em situações de estresse resultem em danos não intencionais aos pacientes

Oei defende que treinos regulares em situações de emergência simuladas podem ser úteis tanto no aumento do conhecimento clínico da equipe quanto na melhoria de suas habilidades de comunicação.

Um dia todo de treinamento custa 5 mil euros, o que nem me pareceu tanto diante de tamanho aparato. O que me deixou intrigada foi a enorme contradição entre estratégias e tecnologias tão futuristas em prol da segurança do paciente e um dado apresentado, com orgulho, durante essa mesma visita: 30% dos partos nos Países Baixos acontecem em casa!

Pior: a mortalidade neonatal é relativamente alta considerando-se os padrões socioeconômicos do país – de 170 mil bebês nascidos por ano, 1.700 morrem antes de completar 40 semanas.

Apesar de a estreita relação entre esses dois dados ser óbvia para um jornalista estrangeiro, a questão parece envolver componentes culturais bem mais complexos. Resta-nos celebrar a alteridade.

Acompanhe esta semana o especial da CH On-line sobre tecnologia médica nos Países Baixos.

Carla Almeida*
Ciência Hoje On-line

* A jornalista viajou para os Países Baixos a convite do Ministério da Economia, Agricultura e Inovação do país.