De malas quase prontas

Na primavera norte-americana de 2013, o Exploratorium abrirá em novo endereço. O centro interativo de ciências mais famoso dos Estados Unidos deixará os cômodos do Palácio de Belas Artes de São Francisco (Califórnia), onde está há mais de 40 anos, para se instalar em dois píeres da revitalizada zona portuária da cidade.

A ideia é ter mais espaço – a área a ser ocupada é três vezes maior que a atual –, mas sobretudo estar mais perto do centro nevrálgico da cidade, de seus moradores e visitantes. Em síntese, o Exploratorium quer mais interação.

Em uma época em que os museus expunham seus objetos científicos em vitrines e jarros de vidro e espalhavam placas implorando ao visitante para não tocar em nada, o Exploratorium abriu as portas com um lema inverso: ‘é proibido não mexer’. No centro, inaugurado em 1969, os objetos científicos devem necessariamente ser manipulados.

O espaço foi concebido como um grande laboratório de pesquisa aberto ao público, para observação, experimentação e descoberta, tendo a interatividade como princípio. Rapidamente, tornou-se um importante aliado ao ensino de ciência local.

O modelo ativo de educação e popularização da ciência criado pelo Exploratorium – conhecido como hands-on e que vem sendo adaptado e redefinido desde então – mexeu com os conceitos de museologia e impulsionou o surgimento de centros interativos de ciência em vários países, inclusive no Brasil.

Exploratorium em 1980
Visitantes no Exploratorium em 1980. O centro norte-americano criou uma nova concepção de museus de ciência, inspirando iniciativas semelhantes em diversas partes do mundo. (foto: The Exploratorium/ www.exploratorium.edu)

À la Exploratorium

Primeiro da espécie no Rio de Janeiro, o Espaço Ciência Viva é das crias mais autênticas do centro californiano. Seu idealizador, o físico francês Maurice Bazin, esteve no Exploratorium em 1982 – quando já vivia no Brasil – e ficou “deslumbrado” com o que viu.

Em entrevista a mim concedida em 2004, Bazin – que faleceu em 2009 – falou de sua visita ao centro, guiada por seu idealizador, Frank Oppenheimer (ver boxe), e do estímulo então surgido para a criação de um espaço semelhante na capital fluminense. Vale relembrar seu depoimento:

Em 1982, fui a uma conferência no Canadá e aproveitei para ir a Berkeley, onde Jair Koiller estava fazendo pós-graduação. Visitamos o Exploratorium, do qual eu tinha apenas ouvido falar, mas tinha um pouco de pé atrás por causa do nome em latim. Telefonei da casa do Jair para o museu e disse que queria falar com Frank Oppenheimer. A secretária respondeu: ‘Claro, ele está aqui ao lado’. Disse que era físico, que estava vindo do Brasil, e perguntei se podia encontrá-lo e visitar o museu. Ele disse: ‘Estou aqui sempre. É só você vir’. Fomos visitá-lo e ficamos bastante deslumbrados. Voltei ao Brasil no mesmo ano e esperei Jair chegar para criarmos nosso próprio museu, o que aconteceu em 1983. O nome Espaço Ciência Viva nasceu em uma tarde ensolarada. Estávamos procurando uma maneira de dizer várias coisas com poucas palavras.

As primeiras atividades do Espaço Ciência Viva, inspiradas em ideias emprestadas do Exploratorium, foram desenvolvidas em praças públicas pela cidade. O endereço fixo – um galpão na Praça Saes Peña – veio depois, seguindo a lógica defendida por Bazin: primeiro é preciso ter ideias e testá-las; depois é que surge a necessidade de um espaço para colocá-las.

Espaço Ciência Viva
O Espaço Ciência Viva, criado em 1983, foi um dos primeiros centros interativos de ciência a surgir no Brasil, diretamente inspirado no Exploratorium. Desde 1987, ocupa um galpão no bairro fluminense da Tijuca, onde o lema é: ‘por favor, mexa em tudo’. (foto cedida por M. Bazin)

Na época da entrevista, Bazin estava envolvido com o projeto Sabina Escola Parque do Conhecimento, em Santo André (SP), e compartilhou sua insatisfação com o modo como a área de centros de ciência vinha se desenvolvendo no Brasil:

Aqui, há dois tipos de iniciativas. Os museus que querem ser o La Villette [de Paris] e aqueles mais modestos. Os que sonham com um La Vilette acabam esquecendo que devemos fazer esses museus para a educação do povo. […] Aqui em Santo André, por exemplo, queriam colocar um pêndulo de Foucault, que demora dois dias e meio para dar uma volta. O que adianta falar que isso mostra como a Terra gira, para o filho de um operário? […] Por outro lado, tem coisas pequeninas que estão brotando, como as incubadoras, que são maravilhosas. Esses centros de ciência dão espaço àqueles professores que querem desenvolver uma atividade fora de sala de aula, com a população local.

Casa nova, princípios antigos

As obras das novas instalações do Exploratorium, que começaram em outubro de 2010, estão 80% concluídas. A direção do museu faz questão de avisar que a arquitetura será simples e que servirá apenas de pano de fundo para as exposições e atividades planejadas – impossível não ver a colocação como uma alfinetada numa certa linha de museus que investem mais em design do que em conteúdo…

Os 30 km2 de área expositiva de um dos píeres – o outro funcionará como depósito num primeiro momento – serão ocupados por quatro galerias principais, um teatro, um estúdio de webcast e, entre outras atrações, por um observatório de vidro com vista para a baía que funcionará como local de pesquisa do ambiente do entorno.

A galeria central vai comportar as centenas de módulos hands-on pelos quais o Exploratorium é conhecido – cujas réplicas, segundo o site do museu, estão espalhadas por 200 centros de ciência do mundo. Eles convidam o visitante a aguçar seus sentidos para uma melhor compreensão do mundo a sua volta.

Na nova versão do museu, juntam-se às tradicionais experiências do mundo natural e físico, os conhecimentos e questionamentos das ciências humanas

Na galeria ‘Vida’, o ecossistema da baía de São Francisco será o material de base para a investigação dos visitantes, que poderão observar e examinar – com equipamentos dignos de laboratório de verdade – de minúsculos micróbios brilhantes a exemplares da flora local.

Em ambas as galerias, será possível acompanhar a montagem dos módulos e experimentos em tempo real. É que praticamente tudo no Exploratorium é construído localmente por cientistas e artistas que formam a equipe eclética do museu.

Já no ‘Tinkering Studio’, é o visitante que colocará a mão na massa. Em uma espécie de oficina mecânica, com equipamentos de toda a sorte – de chaves de fenda a máquinas de solda –, poderá colocar em prática suas próprias ideias.

Das quatro, a galeria do comportamento humano é a mais inovadora. Na nova versão do museu, juntam-se às tradicionais experiências do mundo natural e físico, os conhecimentos e questionamentos das ciências humanas – um passo que já foi dado em outros centros mais novos, como o Nemo em Amsterdã e o Catavento em São Paulo, e que, tudo indica, vai virar tendência.

Apesar das novidades, a direção garante que serão mantidos os princípios pelos quais o Exploratorium se tornou referência para o mundo. O lema ‘observação, experimentação e descoberta’ permanece, assim como o papel educativo do museu, destinado sobretudo a atender as necessidades da comunidade local.

Pai do Exploratorium, tio da bomba atômica
Frank OppenheimerO sobrenome não é coincidência. O físico e educador Frank Oppenheimer, fundador do Exploratorium, era o irmão mais novo de J. Robert Oppenheimer, pai da bomba atômica. O próprio Frank – como o Exploratorium faz questão de dizer em seu site – também esteve envolvido no Projeto Manhattan. Banido da carreira de física no contexto do Macartismo, foi criar gado no interior do Colorado, atividade à qual se dedicou durante quase toda a década de 1950. Voltou à ativa em 1957, quando ganhou permissão para ensinar ciência num colégio do Colorado. Dois anos depois, voltou à academia. Na Universidade do Colorado, dedicou-se à melhoria das aulas de laboratório e desenvolveu uma série de experimentos para o ensino de ciências. Desses experimentos e da vontade de contribuir para a melhor compreensão pública da ciência surgiu o Exploratorium. Neste mês, comemoram-se os 100 anos de nascimento de Frank Oppenheimer.

foto: Frank Oppenheimer no Exploratorium, em 1984. (crédito: Lisa Law/ The Exploratorium)

 

Carla Almeida
Ciência Hoje On-line

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
As obras do novo Exploratorium tiveram início em outubro de 2010, e não em outubro de 2012, como havíamos escrito. (30/08/2012)