Democracia: Justiça em pauta

Quão saudável é nossa democracia? O assunto desperta paixões. Para os românticos, o voto é nossa mais poderosa arma política. Mas, para os críticos ressabiados, nosso infante projeto democrático ainda é acometido por males que, dados os jogos soturnos que contaminam as altas esferas do poder, podem fazer de nosso sistema político pouco mais que uma condenável plutocracia de quinta categoria.

Reflexões como essa marcaram uma das conferências da 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece esta semana em Recife (PE).

Na palestra intitulada ‘Supremo, mídia e opinião pública’, o professor Joaquim de Arruda Falcão, diretor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV), trouxe um entendimento lúcido e atualizado sobre uma das questões políticas mais candentes de nossos dias: a relação entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o sistema democrático brasileiro.

“O Brasil é o único país do mundo em que as decisões do Supremo são televisionadas ao vivo”

Auditório lotado. Muitos esperavam um acirrado debate sobre as decisões incendiárias do STF acerca de questões como o ‘mensalão’ (“um julgamento midiático”, segundo boa parte dos ouvintes). Ou sobre a postura do presidente desse tribunal, Joaquim Barbosa – que está na mira dos que não apreciaram o fato de o STF ter supostamente bancado a viagem de um repórter de um grande jornal brasileiro para cobrir um evento na Costa Rica.

Mas tais discussões, digamos, mundanas, ficaram de lado. O objetivo de Falcão, na verdade, era sinalizar aos ouvintes boas perspectivas – em oposição ao usual pessimismo político que paira por nossos ares.

“O Brasil é o único país do mundo em que as decisões do Supremo são televisionadas ao vivo”, destacou o pesquisador da FGV, referindo-se à TV Justiça e lembrando que o México tem uma iniciativa parecida, mas que enfrenta dificuldades técnicas e políticas.

TV Justiça
A TV Justiça é um canal público que transmite ao vivo os julgamentos do Supremo Tribunal Federal, como o do ‘mensalão’. (imagem: reprodução TV Justiça)

“Grandes coisas”, retrucou um ouvinte, do fundo do auditório. “Qual a parcela da população que tem acesso à TV fechada?”, questionou. Como resposta, veio a ponderação: para o pesquisador da FGV, a TV Justiça não opera pela lógica da audiência. Ela serve, na verdade, como fonte de informação para as mídias que estiverem dispostas a fazer bom uso desse canal. “Isso é fruto de democracia e transparência”, destacou.

Influência mútua

Segundo Falcão, a transmissão dos julgamentos permite que a mídia e a opinião pública compreendam melhor o STF e, dessa forma, possam se posicionar, a favor ou contra. “O Supremo influencia a opinião pública, mas a opinião pública também influencia o Supremo”, acrescentou.

“O Supremo influencia a opinião pública, mas a opinião pública também influencia o Supremo”

Questionado sobre o acesso restrito de boa parte da população às mídias ditas alternativas, o pesquisador argumentou, de modo otimista, que o oligopólio midiático que impera no Brasil está, pouco a pouco, se deteriorando.

Ainda que idealista, Falcão mostrou que não é nada ingênuo. Adepto da transparência, ele lembrou do caso emblemático da votação da Lei Ficha Limpa – apelido da Lei Complementar nº. 135, de 2010, que fecha o cerco para parlamentares com o nome sujo na praça. “Acredita-se que 60% dos congressistas respondam a processos na Justiça”, lembrou o palestrante.

“Sabem por que essa lei foi votada e aprovada? Por três motivos: o voto era aberto; era televisionado; e era ano de eleição.” Nenhum político, segundo ele, estava disposto a “manchar sua imagem” votando contra um projeto de tamanho apelo popular.

Para Falcão, apesar de o sistema político brasileiro ser tão desacreditado, ele talvez ofereça possibilidades reais para intervenções populares. São as chamadas ‘brechas no sistema’. “Mas, para ocupar os espaços, o eleitor deve fazer uma autocrítica; nossa grande arma é o engajamento nas discussões políticas e a participação”, enfatizou.

Ouça os comentários do professor Joaquim de Arruda Falcão sintetizando a palestra ‘Supremo, mídia e opinião pública’:
E, na sequência, a opinião de um dos ouvintes sobre a conferência:

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line

Veja a cobertura completa da 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.