Depois de Fukushima

O acidente radiológico de Fukushima, no Japão, causou uma reviravolta na política nuclear global e alguns países já se comprometeram a interromper o uso desse tipo de energia. Apesar disso, especialistas como o físico Odilon Marcuzzo, presidente da Seção Latino-Americana da Sociedade Americana de Energia Nuclear, apontam que os programas nucleares pelo mundo não devem parar e que investimentos em pesquisas na área podem trazer melhores soluções energéticas.

Em palestra na 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marcuzzo defendeu que, por ter um potencial energético muito maior do que as demais matrizes usadas, a fissão nuclear é imprescindível para que se atinja uma melhor distribuição de energia por habitante no planeta.

A pesquisa nuclear não deve parar, pois, além desse tipo de energia serlimpo, tem aplicações em outros campos importantes

“A energia está intimamente ligada à qualidade de vida e temos uma grande desigualdade na distribuição de energia hoje”, disse Marcuzzo. “Enquanto nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa cada habitante tem disponível 17 megawatts/hora, no Brasil temos 2,5 e em certas regiões da África não se ultrapassa um megawatt/hora. Não podemos permitir que essa iniquidade continue no planeta e as usinas nucleares são importantes para reverter esse quadro.”

O especialista ressalta que, no caso brasileiro, não há necessidade de tornar a energia nuclear a principal matriz energética. Mas aponta que a pesquisa na área não deve parar, pois, além desse tipo de energia ser limpo, tem aplicações em outros campos importantes, como a medicina.

Um exemplo de pesquisa nuclear brasileira nessa área é o desenvolvimento do Reator Multipropósito. Esse equipamento, em planejamento pelo Instituto de Pesquisas sobre Energia Nuclear (Ipen), vai permitir a produção de radioisótopos, elementos usados para diagnóstico e tratamento de doenças como o câncer.

“Seria um crime de lesa-pátria o Brasil abandonar a produção de energia e a pesquisa nuclear”, diz Marcuzzo. “Somos o sexto país em quantidade de urânio e estudos geológicos mostram que o nosso solo pode esconder mais jazidas, ou seja, temos tecnologia e meios para avançar na área e não faz sentido jogar isso fora.”

Divisor de águas

O físico, que em junho participou da Conferência Ministerial sobre Fukushima organizada pela Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), em Viena, acredita que a maioria das nações não vai suspender seus programas nucleares em razão do acidente japonês, mas sim revisar a segurança das usinas.

Réplica de reator nuclear
Réplica de um reator nuclear das usinas de Angra. (foto: Wikimedia Commons/ Sturm – CC BY 3.0)

“Fukushima foi um desacelerador no crescimento da energia nuclear”, comentou. “Mas a parada total do uso dessa fonte é impossível, principalmente para um país como o Japão, que tem 30% de sua energia fabricada em usinas nucleares.”

Segundo Marcuzzo, no Brasil, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) já segue o caminho de revisão de parâmetros e montou um grupo de estudos para reavaliar a segurança das usinas de Angra levando em conta a possibilidade de deslizamentos de terra e tornados na região.

O especialista aponta ainda que a repercussão e a magnitude do acidente de Fukushima vão motivar o desenvolvimento de reatores mais seguros e usinas que reutilizem o material radioativo produzido durante a fissão, que hoje é armazenado indefinidamente.

“Agora não é momento de andar para trás. O uso do avião não parou por causa das falhas que aconteciam em seu início”, arrematou.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

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