‘Desaparecidos’ na ditadura

O físico brasileiro Alberto Passos Guimarães, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e membro da diretoria do Instituto Ciência Hoje esteve recentemente em Buenos Aires, na Argentina, onde participou da quinta edição do workshop “Nas fronteiras da matéria condensada”.

Guimarães foi um dos palestrantes do “Simpósio do Bicentenário”, um conjunto de sessões dentro do workshop sobre a história da física na Argentina e nos países vizinhos, a propósito dos 200 anos da independência argentina.

“Em muitas ocasiões durante o simpósio foram feitas referências aos ‘anos de chumbo’”, relata o físico, se referindo aos períodos de ditadura instaurados em países latino-americanos nos anos 1960 e 1970.

Na Argentina, particularmente, a ditadura militar desrespeitou os direitos humanos em uma escala inimaginável, lembra Guimarães.

No episódio mais conhecido, a “Noite dos bastões longos” (Noche de los bastones largos), uma referência aos cassetetes usados pela polícia em 29 de julho de 1966, a Universidade de Buenos Aires foi invadida e os professores e estudantes agredidos. Em resposta ao ocorrido, quase 1,4 mil professores se demitiram.

Na década de 1970, o próprio governo demitiu diversos professores e pesquisadores, um duro golpe para a academia argentina. Muitos cientistas tiveram que abandonar o país, outros foram presos e assassinados.

Cientistas desaparecidos
Quadro pendurado na Comissão Nacional de Energia Atômica Argentina, onde trabalhavam os dois pesquisadores mencionados, desaparecidos na década de 1970. (foto: Alberto Passos Guimarães)

Entre eles estavam o físico Antonio Misetich e o engenheiro eletrônico Roberto Ardito, cujos nomes estão estampados no quadro (acima) fotografado por Alberto Passos Guimarães em visita à Comissão Nacional de Energia Atômica Argentina (CNEA).

Os dois pesquisadores desapareceram durante o “Processo de Reorganização Nacional” (1976-1983), um dos períodos mais violentos por que passou a Argentina, marcado por acentuada repressão, perseguições, torturas e execução de presos políticos.

Projeção internacional

De acordo com texto publicado em julho de 1977 na New Scientist sobre a repressão aos cientistas na Argentina, Antonio Misetich, então pesquisador da CNEA, teria sido sequestrado em 19 de abril de 1976. Doutor pelo Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), o pesquisador havia recebido uma proposta de emprego do diretor do laboratório de magnetismo do MIT, Benjamin Lax.

Trecho da New Scientist
Trecho de texto publicado na revista ‘New Scientist’, em que os pesquisadores desaparecidos são mencionados

Em 9 de agosto de 1976, a embaixada da Argentina em Washington escreveu ao MIT que Misetich estava em boas condições de saúde e que, se sua situação fosse “esclarecida”, ele seria liberado, o que nunca ocorreu.  

Alberto Passos lembra que o pesquisador também passou pelo Brasil. Em visita ao campus da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, foi insistentemente convidado a permanecer no país como professor na instituição. “Ele disse que tinha que voltar à Argentina. Pouco tempo depois, desapareceu”, conta o físico brasileiro.

Já o nome de Roberto Ardito consta em uma lista de cientistas desaparecidos no sítio do Projeto Desaparecidos, uma iniciativa promovida por diversos organismos e ativistas de direitos humanos para manter a memória e alcançar a justiça.

De acordo com informações contidas no sítio, Ardito também trabalhava na CNEA, onde era membro do grupo de assistência técnica do sincrocíclotron, um tipo de acelerador de partícula. Tinha 33 anos quando foi sequestrado, em sua casa, junto com a sua esposa, na frente de seus dois filhos.

“No Brasil, também tivemos prisões, afastamentos e assassinatos de pesquisadores. Mas a escala das arbitrariedades não foi comparável à ocorrida na Argentina”

“No Brasil, também tivemos prisões arbitrárias, afastamento, cassação, tortura e assassinato de professores e pesquisadores. Tivemos também invasão, especificamente da Universidade de Brasília, que também conduziu à demissão de muitos professores. Mas a escala das arbitrariedades não foi comparável àquela ocorrida na Argentina. Além disso, os governos militares no Brasil mantiveram, de modo geral, o apoio à ciência, aos menos às ciências exatas”, afirma Guimarães.

A CH On-line aproveita a visita de Alberto Passos Guimarães ao CNEA e a foto por ele tirada para prestar uma homenagem aos dois homens da ciência, vítimas da truculência política. Felizmente, os tempos hoje são outros por essas bandas. Ou melhor, as truculências são outras. Mas essa já é uma outra história…

Carla Almeida
Ciência Hoje On-line