Discurso dissonante

O discurso diplomático do Brasil tem sido bastante articulado e tem feito o país assumir papel de destaque nas negociações sobre meio ambiente no cenário internacional. Apesar do aparente consenso interno, as opiniões de uma figura de peso da diplomacia brasileira trazem à baila posicionamentos que vão muito além da versão oficial.

Durante evento preparativo para a Rio+20 realizado em São Paulo, o embaixador aposentado Rubens Ricupero, que já foi desde ministro do Meio Ambiente até subsecretário da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou visões instigantes. “O Brasil ‘oficial’ não representa necessariamente sua sociedade e sua ciência”, disparou. “É preciso lembrar que os diplomatas são meros funcionários do Estado.”

“O Brasil ‘oficial’ não representa necessariamente sua sociedade e sua ciência”

Ricupero citou o exemplo da posição brasileira quanto à transformação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) em uma nova agência para temas ambientais. “Os europeus defendem tal decisão e constituem o único bloco de países que adotam uma postura decente”, sentenciou.

“Aos cientistas, interessa o conteúdo. Mas aos diplomatas interessam processos”, ponderou o embaixador, abrindo parênteses acerca dos eventuais desencontros entre os dois mundos.

Seguindo adiante em sua análise, Ricupero diz que, ao longo da última década, imperou a falta de objetividade nas reuniões de cúpula sobre temáticas ambientais. “Estamos assistindo a uma diluição do problema. A próxima conferência pode resultar em um documento final de consenso brando, que os diplomatas poderão até mesmo chamar de ‘sucesso’.”

Para ele, a Rio+20 está permeada por uma burocracia tremenda que, no fundo, oculta os desafios reais que precisam ser discutidos. “Não se pode esperar muito de nossos governos”, arrematou Ricupero. “Precisamos dar nosso grito de alerta, e a sociedade tem o dever de se mobilizar.”

Leia também a matéria principal sobre o evento preparativo para a Rio+20 realizado pela Fapesp e SciDev.Net.

Henrique Kugler
Ciência Hoje/ RJ